quarta-feira, 16 de setembro de 2009

PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS E INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL

(Análise meta-jurídica dos fundamentos axiológicos do ordenamento constitucional)

Augusto Zimmermann*

1 – Considerações iniciais



Os princípios constitucionais não são apenas relevantes à questão da mera legalidade formal, mas igualmente referentes à criação de uma concepção mais propriamente axiológica do direito, em termos da objetivação de certos valores sócio-políticos subsistentes quando da formalização jurídica do direito constitucional pelo poder constituinte. Não obstante à existência de valores legitimadores de um constitucionalismo moderno e democrático, nós apontaríamos, do mesmo modo, para a necessidade de uma certa avaliação sociológica dos princípios constitucionais, no tocante à intrínseca conexão destes com os chamados elementos meta-juridicos da nação.
Por isso, nós almejamos estabelecer uma concepção teórica muito mais ampla do que a meramente jurídica, por intermédio da qual os princípios fundamentais esculpidos numa constituição escrita representariam determinados valores transcendentais ao ordenamento jurídico-positivo do Estado. Em outras palavras, nós podemos compreender que estes princípios se apresentariam como elementos meta-jurídicos e reguladores do direito positivo, mas que não precisam estar diretamente configurados pela constituição escrita, muito embora essencialmente compreendidos como axiológicos em relação ao alcance da “eticidade mínima” (Savigny) desta mesma constituição.
Para resumir, todo e qualquer ordenamento constitucional revela, implícita e explicitamente, a existência de determinados princípios observáveis como fundamentais, e que, em virtude deste fato, devem ser compreendidos como fatores modelantes de uma certa concepção valorativa do constitucionalismo. Por meio destes princípios, constituições escritas são reconhecidas como uma espécie de moralidade jurídica. [i] E, além disso, tais princípios podem ser observados como regulatórios da criação de normas legislativas e, em sentido amplo, do processo geral de criação do direito positivo. [ii] Estes princípios não precisariam de sequer estar expressamente relacionados ao texto constitucional, mas devem se apresentar como ponderação moral do ordenamento jurídico, em termos de se configurar em requisitos de eticidade básica relacionados à legitimação sócio-política da constituição.



2 - A dimensão valorativa dos princípios constitucionais




Inicialmente, nós devemos considerar a existência de necessária distinção entre princípios constitucionais e princípios meramente legais. Em tal caso, princípios legais são os dedutíveis do sistema legal com um todo, conquanto os princípios constitucionais se relacionariam mais particularmente com o direito constitucional e, mais especificamente, ficam voltados à sistematização de questões fundamentais do Estado. Por conta disso, os princípios constitucionais demandariam reflexão jurídica mais complexa, no tocante à interpretação constitucional. A influência destes princípios, ademais, se deve à peculiar circunstância destes se refletirem em procedimentos de interpretação da Lei Fundamental e, deste modo, estando responsáveis pela estabilização do texto constitucional. Na realidade, tais princípios representam um subgrupo em relação ao conjunto geral de elementos axiológicos do direito, pois que se prestariam à revelação de valores fundamentais dedutíveis da própria constituição escrita. Na medida em que orientam as regras jurídicas materiais, princípios constitucionais configuram-se em atrativos valores jurídicos voltados para a fixação de um padrão de eticidade para esta constituição. [iii]
Se princípios constitucionais são valores intrínsecos a todo e qualquer ordenamento constitucional, provendo um sentido valorativo para o mesmo, modernas democracias devem enfrentar problemas preliminares relativos aos direitos fundamentais. Nestes termos, alguns princípios se relacionariam com o Estado de Direito; em virtude desta expressão denotar um tipo de legalidade demandada por sociedades abertas e democráticas. Por conseguinte, o constitucionalismo democrático necessita de definir um esquema jurídico politicamente protetor dos direitos da pessoa humana. E, assim sendo, a constituição escrita adquire um caráter de unidade moral do discurso político, no sentido de que, conforme atestaria Richard Kay, a polis de per si passa a adquirir um standard moral que não pode ser considerado independente daquele possuído pelos membros da comunidade política. [iv]
Tendo-se por conta os fatores acima expostos, constituições democráticas objetivariam a limitação de potencialidades opressivas do poder político, estabelecendo-se certos princípios gerais que são impositivos em relação à autoridade governamental, e que, portanto, ficam devidamente localizados acima daquela. [v] A perspectiva do constitucionalismo escrito envolveria específicos argumentos relacionados à absoluta conexão entre a concepção liberal de legalidade e o desenvolvimento de uma hierarquia normativa restritiva em termos de contenção jurídica da volição governamental. No mais, o poder constituinte originário conferiria um padrão legal de legitimidade necessária para o controle político do poder. Aliás, um constitucionalismo democrático demandaria que o poder constituído estivesse exercido em conformidade com certos princípios, para que as autoridades constituídas exerçam poder de acordo com as expectativas básicas reveladas pela Lei Fundamental. Isso objetaria a arbitrariedade política, desenvolvendo-se um Estado democrático que também é de Direito.
Nos Estados Unidos, por exemplo, certos princípios como os da separação de poderes (horizontal e vertical) e o do autogoverno, compõem aquilo que se convencionou denominar de dimensão básica do constitucionalismo material. Relativamente à especial proteção de princípios constitucionais, que poderão ou não estar encontrados no corpo da Lei Fundamental, verifica-se o reconhecimento de valores explícitos ou implícitos em relação ao conteúdo formal da constituição. Por isso, se as cortes judiciais daquele país também produzem um determinado tipo de jurisdição constitucional, denominado de controle incidental de constitucionalidade, a Suprema Corte dos Estados Unidos tem a capacidade de recusar a aplicação de normas infraconstitucionais razoavelmente consideradas como incompatíveis com os princípios gerais daquela Constituição. Trata-se, por conseguinte, do exercício de função adjudicatória através da qual legislação e atos jurídicos emanados por autoridades constituídas, federais ou estaduais, podem ser considerados como nulos em virtude do pressuposto básico da supremacia de valores e regras constitucionais.
Dentre as constituições escritas, o problema básico de identificação dos princípios constitucionais torna-se menos tormentoso de ser equacionado, quando comparamos esta problemática com a existente em países desprovidos de constituição escrita. No constitucionalismo escrito, um documento fundamental e ao mesmo tempo básico manifesta uma especifica seleção de regras e princípios constitucionais. Nestes casos, observa-se uma mais nítida diferenciação entre regras e princípios, sendo que os últimos estão muitas vezes revelados no próprio texto da constituição.
Em nosso país, a Constituição Federal revela a natureza tridimensional do pacto federativo, consubstanciando todo um complexo sistema de distribuição, e mesmo de limitação, vertical de poderes políticos autônomos. Nestes casos, as cortes judiciárias ficam encarregadas de prover algum tipo de controle de constitucionalidade das normas jurídicas. Em outros países, poderá até mesmo existir um tribunal especificamente encarregado de proferir decisões abstratas de natureza constitucional, como é o caso do Bunderverfassungsgericht na Alemanha. Este tribunal constitucional federal, diga-se de passagem, foi criado com a missão básica de proteger não apenas o pacto federativo germânico, mas também a generalidade dos princípios fundamentais, explícitos ou não, porém deduzíveis da Lei Fundamental de 1949. Dentre os explicitamente contidos no texto constitucional alemão, podemos mencionar os princípios da dignidade humana, da subsidiaridade estatal, e do Estado Social de Direito.
Em nosso caso, a Constituição Federal de 1988 revelou-nos expressamente os princípios constitucionais da República: a perpetuidade do pacto federativo; a concepção de Estado democrático de Direito; o princípio republicano da soberania popular; a postulação da dignidade da pessoa humana; a defesa da livre-iniciativa; e, last but not least, o princípio do pluralismo político. Contudo, a manifestação expressa de princípios constitucionais, como já vimos, não se configura em privilégio nosso. Na França, por exemplo, os princípios constitucionais também estão expressamente revelados: a soberania nacional e a defesa dos direitos humanos, assim como definida pela Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789.
Na realidade, alguns juristas, em particular os juristas anglo-saxões, alegariam que os princípios constitucionais não podem ser exatamente efetivados por força de enunciação pela constituição escrita, mas alicerçados dentro de uma determinada atmosfera social e de tradição jurídica que se permitiria até mesmo à revogação tácita de aspirações mais utópicas, ou irrealistas, do legislador constituinte. Neste caso, T.R.S. Allan veio a ponderar que todo e qualquer princípio constitucional não possui validade prática alguma, salvo se conectado a uma dimensão valorativa pela qual este mesmo princípio pode verdadeiramente vir a ser efetivado em sociedade. Dentro de tal ótica, um determinado princípio constitucional deve ser primeiramente observado de acordo com a sua força intrínseca, mas que é fato tendente a uma certa variação em relação aos fatos e circunstâncias sociais, políticas, e até mesmo econômicas da nação. [vi]
Por outro lado, a observação de T.R.S. Allan baseia-se em interpretação de princípios constitucionais ingleses, motivo pelo qual ficaria associada à perspectiva jurisprudencial da common law. Ainda assim, as lições deste importante jurista britânico servem como uma advertência sobre os perigos da positivação de princípios incompatíveis com os valores básicos de uma sociedade, para a qual, afinal de contas, tais princípios pretendem se concretizar. Em muitos países, princípios constitucionais estão positivados sob uma realidade social bastante instável, bem como fundados em certo momento de ruptura institucional com um passado recente que se pretenderia definitivamente revogar. Este tipo de rompimento com o passado foi exatamente o que ocorreu na Alemanha, motivo pelo qual a sua Lei Fundamental de 1949 consagra princípios rompedores com a ideologia nacional-socialista.
T.R.S. Allan, portanto, expressa-se em nome de uma realidade sui generis, que é a do Reino Unido, aonde poderemos encontrar um largo espaço para as discussões sociológicas, e mesmo filosóficas, sobre a teoria constitucional. Isso ocorre, basicamente, porque os juristas britânicos não estão limitados às especificidades formais, e mesmo principiológicas, de uma constituição escrita. Assim sendo, eles podem discutir os temas do constitucionalismo histórico em termos mais abstratos, tais como estabelecendo análises a respeito do valor simbólico do rule of law, bem como o significado do conceito de soberania parlamentar. Quanto ao último, Sir Ivor Jennings compreendeu que a sua dimensão axiológica se observaria não apenas exclusivamente em termos de um ‘direito fundamental’ do Parlamento soberano, mas também em relação ao restante das previsões constitucionais derivadas tanto de processo legislativo quanto da própria produção jurisprudencial no Reino Unido. [vii] Obviamente, uma parte considerável dos princípios constitucionais britânicos é tão antiga que se apresentaria até mesmo como irrevogável pelo Parlamento. São aparentemente irrevogáveis, neste sentido, aqueles princípios provenientes da Magna Charta de 1215 (julgamento por tribunal de júri popular, irretroatividade da pena, devido processo legal, representação legislativa, não taxação sem representação, etc.). Afinal, em momentos de crise constitucional o povo britânico vem reconhecendo, com bastante veemência por sinal, todos os seus mais importantes princípios e direitos constitucionais. Aliás, um certo rei inglês já perdeu a sua cabeça por conta disso. Daí nos lembrarmos das palavras de Sir Edward Creasy: “Se a letra da constituição já é de per si merecedora de toda a nossa admiração, o seu verdadeiro espírito nos é merecedor de admiração ainda maior”. [viii]



3 - Princípios constitucionais e interpretação constitucional



Podemos analogamente avaliar que os princípios fundamentais são como luzes irradiantes para a interpretação constitucional. Afinal, eles provêm o interprete com elementos axiológicos para uma razoável interpretação e, assim sendo, desenvolvem uma lógica sistêmica ao ordenamento constitucional. Indiferentemente ao grau de abstração revelada pelo ordenamento constitucional, cada princípio oferece uma capacidade de enquadramento valorativo de normas jurídicas do ordenamento constitucional, servindo a adequação de regras (ou normas jurídicas) aos casos concretos. Deste modo, a interpretação constitucional encontra-se operacionalizada por princípios que então procedem à justificação valorativa das regras do direito positivo. [ix]
Por isso, os princípios constitucionais agiriam como ‘agentes catalisadores’ do ordenamento constitucional, definindo estratégias razoáveis de interpretação. Pois que cada princípio emanaria uma dose de legitimação à constituição, fazendo-se desta última muito mais do que um simples aglomerado de regras jurídicas desconexas umas com as outras. Antes de tudo, a desconsideração dos princípios constitucionais destruiria à própria integridade do corpo constitucional, em função da imperativa necessidade de reconhecimento de uma certa conexão elementar entre princípios e a própria normatividade do texto constitucional.
Os princípios constitucionais, portanto, demandam análise direcionada à legitimidade de regras, ou normas jurídicas. Estes princípios não se identificam apenas com um único caso concreto, mas com uma percepção mais genérica do ordenamento jurídico. Como podemos deduzir, os princípios desfrutam de posição hierárquica superior em relação às normas jurídicas, haja à vista representarem guiding-forces, ou valores coordenativos, da totalidade do ordenamento jurídico-constitucional. Neste ponto, se juízes procedem a julgamentos em conformidade com elementos principiológicos da constituição, igualmente o cidadão comum possui o mesmo direito de evocar os princípios constitucionais.
No referente à relação entre princípios constitucionais e prestação jurisdicional, devemos considerar que as cortes judiciais estão obrigadas a reconhecer a superioridade dos princípios constitucionais. Ainda que sob a alegação de princípio implícito, os juízes não podem abdicar de julgar os casos concretos trazidos diante de seus tribunais. [x] Além da simples justificação de princípios, cortes de justiça necessitam de harmonizar os princípios entendidos como fundamentais, no que não se configura em tarefa fácil, contudo essencial à compreensão do texto constitucional como muito além de simples repertório de regras isoladas.
Se diferenciarmos os princípios constitucionais de simples regras (ou normas) jurídicas, então concluiremos que estes últimos estão a prescrever um relacionamento do tipo ‘tudo-ou-nada’ em relação ao caso concreto. As regras agem para a adequação da realidade material com o sentido formal da previsão jurídica. Em outras palavras, elas objetivam a abstração legal de um determinado fato submetido à regra formalmente prescrita. Em caso de princípios, estes se aplicariam às circunstâncias previstas por uma miríade de situações jurídicas, suscitando uma abordagem valorativa no tocante a aplicação das regras jurídicas. Com isso, Ronald Dworkin considera haver uma distinção lógica entre regras jurídicas e princípios legais, particularmente no tocante ao fato de que os princípios se apresentariam em razão argüitiva maior; ou seja, em correlação com a existência de elementos axiológicos conferentes de uma certa dimensão de ‘peso’ (weight) e importância para a interpretação. No caso de normas, se os fatos estão estipulados por uma norma especifica, então a regra nela contida tornar-se-ia válida. Isso ocorre quando o caso concreto encontra a sua resposta mediante a própria verificação intrínseca da regra jurídica. [xi]
Para concluir, deve-se considerar que a perspectiva básica dos princípios constitucionais não pode ser confundida com a previsão constitucional de normas programáticas. Normas programáticas, e a nossa Constituição está repleta deste tipo de normas, apresentam-se como aspiração política do legislador constituinte. Aliás, constituições do tipo dirigente são as que concebem um maior número de normas programáticas, demandantes de legislação complementar por parte dos poderes constituídos. Em contraste com os princípios constitucionais, dispositivos programáticos possuem um objetivo político mais específico, mas não fundamental. As normas programáticas definem alguma forma de comando legal para o poder constituído, requerendo-se deste a concretização de previsões não auto-aplicáveis no texto constitucional.



4 - A problemática dos conflitos entre os princípios constitucionais


Tendo-se em conta o simples fato de que constituições escritas requerem algum tipo de configuração lógica, podemos considerar que o ordenamento constitucional necessita de estar dotado de algum tipo de razoabilidade prática. Obviamente, isso demandaria a necessária harmonização não apenas de regras jurídico-constitucionais, mas, para ainda mais adiante, o estabelecimento de mútua convivência entre os princípios da constituição.
Como haveríamos de esperar, os próprios princípios constitucionais poderão, em determinado caso concreto, entrar em conflito. Isso, contudo, não significa necessariamente a prevalência de um certo princípio sobre o outro, ou, do mesmo modo, que alguns deles venham a ser considerados como inconstitucionais. Neste sentido, Otto Bachof chegou a defender que certas previsões do legislador constituinte originário poderiam ser interpretadas como inconstitucionais, se por algum acaso estas entrassem em contradição com os valores transcendentais, ou materialmente constitucionais, da constituição. [xii] Contudo, até mesmo na própria Alemanha, terra do jurista Bachoff, doutrina e jurisprudência majoritária adotam uma interpretação mais positivista das normas constitucionais, de modo a não se admitir a inconstitucionalidade de normas apenas formalmente constitucionais. O que se permite, tendo-se em vista os horrores do comunismo e do nazi-fascismo, e a Alemanha especificamente padeceu sob ambos os regimes totalitários, é o reconhecimento de que todas as normas jurídicas devem receber interpretação orientada à máxima proteção dos direitos individuais.
Em termos práticos, John Rawls defendeu a projeção de uma suposta ordem léxica de interpretação constitucional, por meio da qual nós haveríamos de obter uma mais apropriada esfera interpretativa da constituição. Trata-se, em simples termos, de se afirmar uma hierarquia de princípios na constituição, de maneira que um princípio básico se faz primeiramente presente em relação ao procedimento de interpretação do princípio subseqüente, correlacionado e inferior ao primeiro. Isso, aliás, poderia ser enquadrado como uma condição básica para a aplicação daquele princípio subseqüente, tendo-se em vista a solução mais adequada do caso concreto. Haveria ainda, de acordo com John Ralws, uma seqüência lógica, ou ordenada, de princípios que se prestaria à ponderação razoável de valores, segundo a qual um princípio maior adquire peso absoluto em relação ao seu princípio menor, que se encontra derivado daquele anteriormente revelado. [xiii]
Ocorre que princípios são muitas vezes diferidos de normas em virtude da chamada ‘dimensão de peso’ (dimension of weight). Os valores contidos em princípios ficariam aptos a alcançar uma interpretação razoável para os casos concretos, mas necessitando de serem previamente ponderados. Qualquer tipo de colisão entre os princípios constitucionais, neste sentido, demandaria a complexa avaliação sobre os valores intrinsecamente existentes nestes mesmos princípios, de modo a ficarem estabelecidos os limites específicos da validade jurídica, segundo a qual o processo interpretativo procederá a um certo ajustamento de princípios. Por meio deste tipo de ajustamento, o intérprete da constituição não haverá necessariamente de se recusar a reconhecer um determinado princípio qualquer, mas revelar uma capacidade de adaptação em relação às diversas possibilidades interpretativas do caso concreto.
Na realidade, a própria lógica sistêmica da constituição deveria ser ponderada pelo intérprete, na medida em que os princípios são recebedores de mandatos de otimização que se correlacionam à valoração intrínseca dos mesmos. [xiv] Isso demonstra uma certa existência pluralista dos métodos de interpretação constitucional, aonde a adoção de determinados princípios dependerá de circunstâncias não apenas formais, mas também materiais uma vez que relacionadas ao ‘mundo da vida’.
Por outro lado, a aplicação de vários princípios ao caso concreto também implica suscitar um problema de intensidade, que é resultante de conflitos entre princípios a serem resolvidos mediante a abordagem pragmática do intérprete constitucional. Neste particular, Konrad Hesse sustentaria que os princípios constitucionais demandariam muito mais do que uma simples interpretação lógica, mas também uma interpretação que, ao menos em termos mais propriamente deontológicos, ficaria orientada à própria concretização de aspirações sociais pela constituição escrita. [xv] Konrad Hesse concordaria com a visão de Peter Häberle, mediante a qual o ordenamento constitucional de sociedades democráticas deveria procurar estabelecer uma dimensão amplamente pluralista da interpretação constitucional, de maneira que os princípios não venham a obstruir um processo gradativo de mutação constitucional.
Hesse e Härbele concordariam com a suposição básica de que constituições escritas não deveriam possuir um texto excessivamente analítico, porque toda a Lei Fundamental deve ser ‘democraticamente aberta’ ao desenvolvimento da interpretação constitucional. No mais, constituições muito analíticas, como as do Brasil, Portugal e Espanha, poderiam ‘congelar’ a realidade constitucional, obstruindo-se todo um importante processo criativo, e mesmo adaptativo, de interpretação constitucional. Conforme observa Daniel Sarmento a respeito do conceito de constituição aberta apresentada por Häberle, a Lei Fundamental de uma sociedade democrática e pluralista não deve[ria] engessar a sociedade, mas antes fomentar o embate entre idéias e projetos divergentes, convertendo-se com isso em agente catalisador do ideal democrático e pluralista. [xvi]
Na realidade, o processo interpretativo de uma constituição se desenvolve particularmente em relação aos chamados hard cases, que são aqueles ‘casos difíceis’ de difícil solução aonde os princípios constitucionais entrariam em conflito. Tais casos são, por conta disso, de alta complexidade, porém tendentes ao aprimoramento do sistema constitucional. Os casos difíceis são paradigmáticos no fomentar de debates constitucionais, através deles vindo-se a muito raramente a existir uma única resposta em relação ao caso concreto. [xvii] Em tais casos, o magistrado encontra-se numa difícil situação de haver de considerar toda uma variedade de fatores, motivo pela qual este determinado conflito jurídico poderá suscitar até mesmo o redirecionamento da realidade constitucional. [xviii]

5 - Considerações finais
Como vimos, os princípios constitucionais representam elementos valorativos, ou axiológicos, do ordenamento constitucional. Tais princípios não precisam estar diretamente revelados na constituição escrita, muito embora devam ficar identificados com algum tipo de aspiração nacional. [xix] Se estes princípios expressam valores constitucionais, eles carregam consigo mesmos toda uma sorte de expectativas sociais, fazendo-se a revelação do constitucionalismo histórico. [xx]
Os princípios podem não estar revelados pela Constituição escrita, mas devem ao menos estar implícitos na mesma, assegurando a complementação da sistemática apresentada pelo ordenamento constitucional. Em certos momentos, os princípios constitucionais arriscam-se a produzir delicados conflitos de interpretação, demandando uma razoável ponderação de valores. Nestes casos, determinado princípio constitucional poderá assumir prevalência em relação a um outro de igual natureza axiológica, muito embora a ponderação de princípios dependa não apenas da realidade concretamente apresentada, mas também do próprio grau de razoabilidade no approaching interpretativo.
Para concluir, os princípios constitucionais não são relevantes apenas à questão do direito positivo, mas também no sentido da concepção sociológica de valores subsistentes ao ordenamento jurídico-constitucional. Não obstante a existência de determinados elementos legitimadores do constitucionalismo democrático, que se encontrariam logicamente correlacionados à questão do Estado de Direito e da democracia representativa, haveríamos de igualmente reconhecer uma certa relativização destes princípios, dependentes de especifico ambiente nacional. Isso não significa, por outro lado, que abdiquemos de defender um determinado tipo de interpretação mais compromissado com a natureza garantiste do constitucionalismo democrático, que então se encontraria primeiramente voltado à fundamental garantia dos direitos inalienáveis da pessoa humana.

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