quarta-feira, 16 de setembro de 2009

DOS DIREITOS SOCIAIS NA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL

DOS DIREITOS SOCIAIS NA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL (*)

As informações abaixo foram extraídas da internet cujo texto foi criado por Carlos Mário da Silva Velloso, Ministro do Supremo Tribunal Federal, Professor-Emérito da PUC/Minas Gerais e da Universidade de Brasília. Este foi o Texto básico de palestra proferida em Madri, Espanha, na Universidade Carlos III, sob o patrocínio desta e da ANAMATRA – Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho, em 10.3.2003.



SUMÁRIO: 1. As primeiras Declarações de Direitos:
direitos de cunho individual. 2. A constitucionalização dos
direitos sociais. 3. Direitos de 1ª, 2ª e 3ª geração. 4. O
conteúdo dos direitos sociais e sua classificação na ordem
constitucional brasileira. 5. Direitos sociais e mandado de
injunção. 6. Conclusão.


2
1. As primeiras Declarações de Direitos: diretos de cunho
individual.
A preocupação com a integridade física do homem, com a dignidade da
pessoa humana, se deve “especialmente, ao cristianismo (dignidade do homem), ao jus naturalismo
(direitos inatos) e ao iluminismo (valorização do indivíduo perante o Estado).”(1) A história constitucional demonstra que a preocupação com a integridade física do homem, com os direitos hoje denominados de direitos humanos, direitos fundamentais, vem de longe, assenta-se em antecedentes históricos e doutrinários.

As primeiras Declarações de Direito são contemporâneas da idéia de Constituição. A primeira é a de Virgínia, anterior à Declaração de Independência dos Estados Unidos. Esta é de 12 de janeiro de 1776 e a Declaração de Independência é de 14 de julho do mesmo ano. A Declaração de Direitos mais famosa, entretanto, é a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, que veio no bojo da Revolução Francesa, de 1789. O constitucionalismo surgiu, aliás, associado à garantia dos direitos
fundamentais, registra Manoel Gonçalves Ferreira Filho(2) .A Declaração dos Direitos
do Homem e do Cidadão, de 1789, é enfática, a esse respeito, ao proclamar, no seu art.
16, que “toda sociedade na qual não está assegurada a garantia dos direitos nem determinada a separação dos poderes, não tem Constituição.”
Essas primeiras Declarações, e outras que lhes seguiram, nos Séculos
XVIII e XIX, preocupam-se, sobretudo, em proteger os homens contra o poder estatal.
Elas, lembra Manoel Gonçalves Ferreira Filho(3), têm por escopo “armar os indivíduos de
meios de resistência contra o Estado. Seja por meio delas estabelecendo zona interdita à sua ingerência
- liberdades-limites ç seja por meio delas armando o indivíduo contra o poder no próprio domínio
deste ç liberdades oposição.” As liberdades-limites, segundo G. Duverger(4), seriam, por
exemplo, a liberdade pessoal, a liberdade de comércio, de indústria, de religião, o direito
de propriedade; as liberdades-oposição, a liberdade de imprensa, de reunião, de
manifestação.
Esses direitos, denominados direitos individuais, postos nas Declarações
da segunda metade do Séc. XVIII e do Século XIX, são direitos de 1ª geração, que
foram positivados no “Bill of Rights” do povo norte-americano, consubstanciados nas
dez primeiras emendas à Constituição de 1787, aprovadas em 1791, às quais
acrescentaram-se, com o correr do tempo, outras mais. As Constituições seguintes
positivaram os direitos considerados fundamentais. A Constituição brasileira de 1824
foi a primeira. Seguiu-se a da Bélgica, de 1831. A Constituição republicana brasileira de
1891 consagrou os direitos individuais.
2. A constitucionalização dos direitos sociais.
No Século XX, a Constituição de Weimar, de 1919, realiza o
compromisso dos direitos individuais, das primeiras Declarações, com novos direitos,
que decorrem do constitucionalismo social que surge da idéia de que a felicidade dos
homens não se alcança apenas contra o Estado, mas, sobretudo, pelo Estado. Os novos
direitos fundamentais são os direitos econômicos e sociais, que a Constituição de
Weimar consagrou, realizando, repito, o compromisso do individual com o social. A
Constituição brasileira de 1934, na linha da Constituição de Weimar, introduz, no

constitucionalismo brasileiro, esses direitos, o que se tornou constante nas Constituição
seguintes, 1946, 1967, EC 1/69, 1988.


3. Direitos de 1ª, 2ª e 3ª geração.
Hoje, registrei em trabalho de doutrina(5), a teoria dos direitos
fundamentais distingue direitos de 1ª, 2ª e 3ª geração, lembra Celso Lafer(6), que
desenvolve assim o tema: os direitos de 1ª geração constituem herança liberal. São os
direitos civis e políticos: a) direitos de garantia, que são as liberdades públicas, de cunho
individualista: a liberdade de expressão e de pensamento, por exemplo; b) direitos
individuais exercidos coletivamente: liberdades de associação: formação de partidos,
sindicatos, direito de greve, por exemplo. Os direitos de 2ª geração são os direitos
sociais econômicos e culturais, constituindo herança socialista: direito ao bem estar
social, direito ao trabalho, à saúde, à educação são exemplos desses direitos. Os de 3ª
geração são direitos de titularidade coletiva: a) no plano internacional: direito ao
desenvolvimento e a uma nova ordem econômica mundial, direito ao patrimônio
comum da humanidade, direito à paz; b) no plano interno: interesses coletivos e difusos,
como, por exemplo, o direito ao meio-ambiente.
4. O conteúdo dos direitos sociais e sua classificação na ordem
constitucional brasileira
Os direitos sociais, direitos fundamentais de 2ª geração, constituem,
ensina José Afonso da Silva, “prestações positivas proporcionadas pelo Estado direta ou

indiretamente, enunciadas em normas constitucionais, que possibilitam melhores condições de vida aos
mais fracos, direitos que tendem a realizar a igualização de situações sociais desiguais. São, portanto,
direitos que se ligam ao direito de igualdade.”(7)
A Constituição de 1988 estabelece, no artigo 6º, que “são direitos sociais a
educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à
maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.”
A amplitude dos temas inscritos no art. 6º da Constituição deixa claro
que os direitos sociais não são somente os que estão enunciados nos artigos 7º, 8º, 9º,
10 e 11. Eles podem ser localizados, principalmente, no Título VIII - Da Ordem Social,
artigos 193 e seguintes.
José Afonso da Silva observa que os direitos sociais poderiam ser
classificados como direitos sociais do homem como produtor e como consumidor. Na
primeira classificação ç direitos sociais do homem produtor ç teríamos a liberdade
de instituição sindical, o direito de greve, o direito de o trabalhador determinar as
condições de seu trabalho, o direito de cooperar na gestão da empresa e o direito de
obter emprego (C.F., artigos 7º a 11). Na segunda classificação ç direitos sociais do
homem consumidor ç teríamos o direito à saúde, à segurança social, ao
desenvolvimento intelectual, o igual acesso das crianças e adultos à instrução, à
formação profissional e à cultura e garantia ao desenvolvimento da família, que
estariam no título da ordem social(8).

A classificação de que se vale, entretanto, o mestre das Arcadas,
presente o direito constitucional positivo brasileiro, é esta: “a) direitos sociais relativos ao
trabalhador; b) direitos sociais relativos à seguridade, compreendendo os direitos à saúde, à previdência
e assistência social; c) direitos sociais relativos à educação e à cultura; d) direito social relativo à
família, criança, adolescente e idoso; e) direitos sociais relativos ao meio ambiente.”(9)
Por ser didática, facilitando o entendimento, adotamos essa classificação.
Os direitos sociais relativos ao trabalhador são de duas espécies,
segundo José Afonso: a) os direitos dos trabalhadores em suas relações individuais de
trabalho: C.F., art. 7º; b) os direitos coletivos dos trabalhadores: C.F., arts. 9º a 11.
Os direitos sociais relativos à seguridade, compreendendo os direitos à
saúde, à previdência e assistência social, estão no título da Ordem Social, artigos 193 e
seguintes.
Os direitos sociais relativos à educação e à cultura embasam-se em
diversos dispositivos da Constituição, artigos 5º, IX, 23, III a V, 24, VII a IX, 30, IX,
205 a 217, formando, leciona José Afonso da Silva, “aquilo que se denomina ordem
constitucional da cultura, ou constituição cultural”, na expressão de Gomes Canotilho e Vital
Moreira(10), “constituída pelo conjunto de normas que contêm referências culturais e disposições
consubstanciadoras dos direitos sociais relativos à educação e à cultura”(11) .


Os direitos sociais relativos à família, criança, adolescente e idoso
poderão ser encontrados em capítulos da Ordem Social: art. 201, II, art. 203, I, II, arts.
226 e 227, art. 230.
Finalmente, nos direitos sociais relativos ao meio-ambiente, deve ser
incluído o direito ao lazer (C.F., art. 6º, art. 227) e ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida,
impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para
as presentes e futuras gerações (C.F., art. 225). O direito ao meio ambiente, lembra
José Afonso da Silva, integra a disciplina urbanística. Constitui, também, espécie de
interesse difuso, direito fundamental de 3ª geração.
5. Direitos sociais e mandado de injunção
Muitos desses direitos sociais, assegurados pela Constituição, dependem
de normatividade ulterior. É dizer, não são normas de eficácia plena. O mandado de
injunção, no caso concreto, pode realizar a integração do direito social cujo exercício é
inócuo, em razão da inexistência da norma regulamentadora, à ordem jurídica. Aliás,
para Galeno Lacerda é no campo dos direitos sociais que o mandado de injunção
poderia ser mais utilizado, por isso que é no campo dos direitos sociais que a
Constituição de 1988 criou “vários e importantes direitos, à espera de legislação ordinária ou
complementar”(12).

Nos MMII 95-RR e 124-SP, em que se pleiteava a viabilização do
direito ao aviso prévio proporcional concedido pelo art. 7º, XXI, da Constituição, o
Supremo Tribunal Federal deferiu, em parte, o pedido, para, declarada a mora,
notificar o legislador para que a supra.(13) Nos julgamentos dessas injunções, o que
ocorreu, também, no julgamento do MI 369-DF, elaborei a norma para o caso
concreto: o aviso prévio será de dez dias por ano de serviço ou fração superior a seis
meses, observado o mínimo de trinta dias.
Esclareça-se que até hoje o Congresso Nacional não elaborou a norma
regulamentadora do art. 7º, XXI, da Constituição, não obstante a decisão do Supremo
Tribunal Federal.
O mesmo ocorreu relativamente ao direito de greve dos servidores
públicos, C.F., art. 37, VII, ainda dependente de lei específica. Cuidei do tema em
trabalho de doutrina.(14) Anotei que, no MI 20-DF, Relator o Ministro Celso de Mello, o
Supremo Tribunal reconheceu a mora do Congresso Nacional em regulamentar o art.
37, VII, da C.F. e comunicou-lhe a decisão, “a fim de que tome as providências necessárias à
edição” da norma “indispensável ao exercício do direito de greve pelos servidores públicos civis”. O
julgamento foi realizado em maio de 1994. Até hoje o Congresso Nacional não editou a
norma regulamentadora.
Também nesse julgamento elaborei a norma para o caso concreto,
adotando a lei de greve dos trabalhadores em geral.

6. Conclusão.
A Constituição de 1988 confirma o compromisso dos direitos
individuais com os direitos sociais, dos direitos de 1ª geração com os direitos de 2ª
geração. Ela vai mais longe: cuida, também, dos direitos fundamentais de 3ª geração.
No que diz respeito aos direitos sociais, é ampla a proteção que a Constituição lhes
empresta, conforme vimos, realizando o que Gomes Canotilho e Vital Moreira
registram: “a individualização de uma categoria de direitos e garantias dos trabalhadores, ao lado
dos de caráter pessoal e político, reveste um particular significado constitucional, do ponto em que ela
traduz o abandono de uma concepção tradicional dos direitos, liberdades e garantias como direitos do
homem ou do cidadão genéricos e abstratos, fazendo intervir também o trabalhador (exatamente: o
trabalhador subordinado) como titular de direitos de igual dignidade” (15).
Principalmente por isso, a Constituição brasileira de 1988 é uma
Constituição democrática.




(1) Cesar Fiúza, “Direito Civil - Curso Completo”, Del Rey Ed., 5ª ed., 2002, p. 159.
(2) Manoel Gonçalves Ferreira Filho, “Curso de Direito Constitucional”, Saraiva, 17ª ed., p. 246.
3

(3) Manoel Gonçalves Ferreira Filho, ob. cit., p. 247
(4) Maurice Duverger, “Les Partis Politiques”, 3ª ed., Paris, 1958, pp. 201 e segs. Ap. Manoel Gonçalves Ferreira Filho,
ob. e loc. cits.
4
(5) Carlos Mário da S. Velloso, “Reforma Constitucional e a Reforma Tributária”, em “Direitos Administrativo e
Constitucional”, Estados em homenagem a Geraldo Ataliba, Malheiros Ed., 1997.
(6) Celso Lafer, “Direitos humanos e democracia: no plano interno e internacional”, em “Desafios: ética e política”, Ed.
Siciliano, 1995, pp. 201 e segs.
5
(7) José Afonso da Silva, “Direito Const. Positivo”, Malheiros Ed., 15ª ed., 1998, p. 289.
(8) José Afonso da Silva, ob. cit., p. 290.
6
(9) José Afonso da Silva ob. e loc. cits.
(10) J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, “Constituição da República portuguesa anotada”, 3ª ed., Coimbra Ed., 1994,
p. 361.
(11) José Afonso da Silva, ob. cit., p. 314.
7
(12) Galeno Lacerda, “ Requisitos do Mandado de Injunção”, Zero Hora, Porto Alegre, RS, 25.10.88.
8
(13) “DJ” de 18.06.93.
(14) “Greve no Serviço Público”, em “Curso de Direito Coletivo do Trabalho”, Estudos em Homenagem ao Ministro
Orlando Teixeira da Costa, LTr, 1998, pp. 555 e segs.
9
10
(15) J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Ob. cit., p. 285. Alexandre de Moraes, “Direito Constitucional”, Ed. Atlas,
5º ed., 1999.

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