quinta-feira, 17 de setembro de 2009

SERVIDOR APOSENTADO PODE OCUPAR OUTRO CARGO PÚBLICO?

As informações abaixo foram extgraidas do site: http://www.raul.pro.br/artigos/servaposen.htm
Raul de Mello Franco Júnior [1] [1] O autor é Promotor de Justiça no Estado de São Paulo, professor de Direito Constitucional do Centro Universitário de Araraquara (UNIARA) e Mestre em Direito pela UNESP







A Constituição Federal de 1988 usa a expressão “servidor público” para se referir aos agentes administrativos, ou seja, os titulares de cargos, empregos ou funções públicas dos órgãos dependentes da Administração. Classifica-os em dois grandes grupos: os servidores públicos civis e os servidores públicos militares.


Importa saber se tais servidores, sejam civis (aposentados), sejam militares (transferidos para a reserva), podem voltar a ocupar outro cargo público depois de ter alcançado os benefícios próprios da inatividade, segundo as regras do sistema previdenciário que se lhes aplica. A mesma questão pode ser formulada por outro prisma, focado nos benefícios pecuniários: é possível acumular os proventos de aposentadoria com a remuneração de outro cargo público?


A matéria foi objeto da reforma administrativa introduzida pela Emenda Constitucional 20/98 e não sofreu alterações posteriores. A regra introduzida (art. 37, § 10, CF) estatuiu a proibição desta acumulação. Isto significa dizer que o servidor aposentado ou da reserva, ainda que obtenha aprovação em concurso público, não pode ser nomeado para um novo cargo da Administração direta (centralizada) ou indireta (autarquias, empresas públicas e suas subsídiárias, sociedades de economia mista e suas subsidiárias, fundações públicas). A vedação também alcança, além dos cargos, os empregos públicos e as funções públicas. Atinge, de igual forma, os membros de Poder ou agentes políticos (como os inativos que integraram as carreiras do Poder Judiciário ou do Ministério Público).


Não ficou muito clara qual a intenção do constituinte ao estabelecer esta barreira (a acumulação era totalmente permitida antes da emenda). Talvez priorizasse a renovação dos quadros administrativos ou a ampliação do rol de pessoas que possam estabelecer vínculo com a Administração, evitando duplicar remunerações para uns, enquanto tantos outros arrostam o desemprego.
Mas a vedação não é absoluta. A regra geral veio acompanhada de exceções. A primeira delas diz respeito ao próprio alcance da proibição: não afeta os inativos que até a data da publicação da emenda (16.12.98) tenham ingressado novamente no serviço público por concurso ou outra forma de provimento constitucional (art. 11, EC 20/98).


Para todos os servidores (aposentados antes ou depois da EC 20/98) há também excepcional permissão em três hipóteses. A primeira delas concerne aos cargos acumuláveis, na forma da Constituição. Como regra, não é possível o exercício simultâneo de mais de um cargo, emprego ou função na Administração Pública (art. 37, inc. XVI, CF). Mas a Lei Maior também elenca exceções. Assim, se havia autorização constitucional para a acumulação durante a atividade (ex.: dois cargos de professor; um cargo de professor com outro, técnico ou científico; dois cargos privativos de profissionais da saúde, com profissões regulamentadas), tal possibilidade remanesce com o advento da aposentadoria. Ao professor da rede pública, aposentado segundo as regras vigentes, é permitido, por exemplo, ocupar outro cargo de professor ou um cargo técnico ou científico, no setor público (na mesma Administração perante a qual serviu anteriormente ou em outra). O mesmo é possível dizer quanto ao médico, ao enfermeiro, ao dentista etc.


A segunda exceção alcança os cargos eletivos. O servidor inativo não está impedido de ocupar cargo para o qual tenha sido regularmente eleito, no legítimo exercício de seus direitos políticos e com as bênçãos do voto popular. Não há impedimento, pois, para que desempenhe as atribuições do cargo de vereador, prefeito, governador, deputado, senador etc., sem prejuízo do que vinha percebendo em razão de sua aposentadoria.


A última exceção diz respeito aos cargos em comissão declarados em lei de livre nomeação e exoneração. São aqueles cargos para os quais não se exige concurso público e que se destinam às atribuições de direção, chefia e assessoramento. Nada obsta, pois, que o servidor aposentado seja nomeado para um cargo de Secretário Municipal ou de assessor de gabinete de um Ministro, por exemplo.


Os servidores com situação definida antes da EC 20/98 ou os que se enquadram nas três hipóteses alinhadas poderão usufruir dos ganhos da aposentadoria e, ao mesmo tempo, dos valores pagos em razão da outra atividade. Mas há um limite quantitativo para essa soma. Aplica-se a regra do teto salarial do funcionalismo, o que significa que as vantagens resultantes das duas fontes de renda (proventos e remuneração ou subsídios do novo cargo) são limitadas. O valor desse teto deve ser analisado em cada caso, segundo as regras constitucionais. O limite máximo equivale ao subsídio mensal, em espécie, dos Ministros da Suprema Corte (art. 37, inc. XI, CF). Os casos que permitem a acumulação não ensejam o direito à percepção de mais de uma aposentadoria pelo regime especial a que se refere o art. 40 da Constituição da República.


Ainda sobre o tema, algumas particularidades merecem referência.
A proibição de acumulação somente atinge vínculos com a Administração Pública. Salvo disposição legal em contrário, não há impedimento para que o servidor inativo, mantendo intocados todos os seus direitos atinentes à aposentadoria, exerça qualquer outra atividade laborativa no setor privado. A vedação cogitada, frise-se, refere-se somente ao exercício de outro cargo público, emprego público ou função pública.



O que deve fazer o Administrador que se deparar com a acumulação indevida, já estabelecida ou em vias de se estabelecer (potencial ou efetiva)? Se ainda não ocorreu a posse do agente nomeado, deve negá-la. Se já se perpetrou por ato administrativo anterior, tem o dever de anular o ato de nomeação, eis que eivado de vício que o torna ilegal. Ressalvada a remuneração paga por serviço efetivamente prestado (evitando admitir, por via reflexa, o trabalho escravo ou a ofensa ao princípio do enriquecimento sem causa da Administração), nenhum outro direito poderá ser reivindicado pelo servidor, na esteira do que dispõe a Súmula 473 do STF. O Administrador pode ser responsabilizado pela situação ilegal que gerou ou em relação à qual se omitiu. A hipótese configura improbidade administrativa (lei 8.429/92), sendo viável a sua anulação e responsabilização pessoal dos promoventes e beneficiários do ato.


Por fim, mister anotar que o Superior Tribunal de Justiça tem entendido que o servidor pode renunciar à aposentadoria voluntária anteriormente concedida (o que a doutrina jurídica denomina “desaposentação”), de modo a afastar o óbice da acumulação (neste sentido: RE nº 310.884/RS; RMS nº 14.624/RS, DJ de 15/08/2005). A percepção de proventos de aposentadoria constitui direito patrimonial disponível, daí a possibilidade de renúncia. As decisões pretorianas têm garantido ao servidor, inclusive, levar para o novo cargo o tempo de serviço anteriormente contado, o que lhe permite conseguir, satisfeitos os demais requisitos constitucionais (ex.: cinco anos no cargo efetivo em que se dará a aposentadoria voluntária), outro benefício mais vantajoso (neste sentido: STJ –RE 310884/RS e RMS 17.874/MG).

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS E INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL

(Análise meta-jurídica dos fundamentos axiológicos do ordenamento constitucional)

Augusto Zimmermann*

1 – Considerações iniciais



Os princípios constitucionais não são apenas relevantes à questão da mera legalidade formal, mas igualmente referentes à criação de uma concepção mais propriamente axiológica do direito, em termos da objetivação de certos valores sócio-políticos subsistentes quando da formalização jurídica do direito constitucional pelo poder constituinte. Não obstante à existência de valores legitimadores de um constitucionalismo moderno e democrático, nós apontaríamos, do mesmo modo, para a necessidade de uma certa avaliação sociológica dos princípios constitucionais, no tocante à intrínseca conexão destes com os chamados elementos meta-juridicos da nação.
Por isso, nós almejamos estabelecer uma concepção teórica muito mais ampla do que a meramente jurídica, por intermédio da qual os princípios fundamentais esculpidos numa constituição escrita representariam determinados valores transcendentais ao ordenamento jurídico-positivo do Estado. Em outras palavras, nós podemos compreender que estes princípios se apresentariam como elementos meta-jurídicos e reguladores do direito positivo, mas que não precisam estar diretamente configurados pela constituição escrita, muito embora essencialmente compreendidos como axiológicos em relação ao alcance da “eticidade mínima” (Savigny) desta mesma constituição.
Para resumir, todo e qualquer ordenamento constitucional revela, implícita e explicitamente, a existência de determinados princípios observáveis como fundamentais, e que, em virtude deste fato, devem ser compreendidos como fatores modelantes de uma certa concepção valorativa do constitucionalismo. Por meio destes princípios, constituições escritas são reconhecidas como uma espécie de moralidade jurídica. [i] E, além disso, tais princípios podem ser observados como regulatórios da criação de normas legislativas e, em sentido amplo, do processo geral de criação do direito positivo. [ii] Estes princípios não precisariam de sequer estar expressamente relacionados ao texto constitucional, mas devem se apresentar como ponderação moral do ordenamento jurídico, em termos de se configurar em requisitos de eticidade básica relacionados à legitimação sócio-política da constituição.



2 - A dimensão valorativa dos princípios constitucionais




Inicialmente, nós devemos considerar a existência de necessária distinção entre princípios constitucionais e princípios meramente legais. Em tal caso, princípios legais são os dedutíveis do sistema legal com um todo, conquanto os princípios constitucionais se relacionariam mais particularmente com o direito constitucional e, mais especificamente, ficam voltados à sistematização de questões fundamentais do Estado. Por conta disso, os princípios constitucionais demandariam reflexão jurídica mais complexa, no tocante à interpretação constitucional. A influência destes princípios, ademais, se deve à peculiar circunstância destes se refletirem em procedimentos de interpretação da Lei Fundamental e, deste modo, estando responsáveis pela estabilização do texto constitucional. Na realidade, tais princípios representam um subgrupo em relação ao conjunto geral de elementos axiológicos do direito, pois que se prestariam à revelação de valores fundamentais dedutíveis da própria constituição escrita. Na medida em que orientam as regras jurídicas materiais, princípios constitucionais configuram-se em atrativos valores jurídicos voltados para a fixação de um padrão de eticidade para esta constituição. [iii]
Se princípios constitucionais são valores intrínsecos a todo e qualquer ordenamento constitucional, provendo um sentido valorativo para o mesmo, modernas democracias devem enfrentar problemas preliminares relativos aos direitos fundamentais. Nestes termos, alguns princípios se relacionariam com o Estado de Direito; em virtude desta expressão denotar um tipo de legalidade demandada por sociedades abertas e democráticas. Por conseguinte, o constitucionalismo democrático necessita de definir um esquema jurídico politicamente protetor dos direitos da pessoa humana. E, assim sendo, a constituição escrita adquire um caráter de unidade moral do discurso político, no sentido de que, conforme atestaria Richard Kay, a polis de per si passa a adquirir um standard moral que não pode ser considerado independente daquele possuído pelos membros da comunidade política. [iv]
Tendo-se por conta os fatores acima expostos, constituições democráticas objetivariam a limitação de potencialidades opressivas do poder político, estabelecendo-se certos princípios gerais que são impositivos em relação à autoridade governamental, e que, portanto, ficam devidamente localizados acima daquela. [v] A perspectiva do constitucionalismo escrito envolveria específicos argumentos relacionados à absoluta conexão entre a concepção liberal de legalidade e o desenvolvimento de uma hierarquia normativa restritiva em termos de contenção jurídica da volição governamental. No mais, o poder constituinte originário conferiria um padrão legal de legitimidade necessária para o controle político do poder. Aliás, um constitucionalismo democrático demandaria que o poder constituído estivesse exercido em conformidade com certos princípios, para que as autoridades constituídas exerçam poder de acordo com as expectativas básicas reveladas pela Lei Fundamental. Isso objetaria a arbitrariedade política, desenvolvendo-se um Estado democrático que também é de Direito.
Nos Estados Unidos, por exemplo, certos princípios como os da separação de poderes (horizontal e vertical) e o do autogoverno, compõem aquilo que se convencionou denominar de dimensão básica do constitucionalismo material. Relativamente à especial proteção de princípios constitucionais, que poderão ou não estar encontrados no corpo da Lei Fundamental, verifica-se o reconhecimento de valores explícitos ou implícitos em relação ao conteúdo formal da constituição. Por isso, se as cortes judiciais daquele país também produzem um determinado tipo de jurisdição constitucional, denominado de controle incidental de constitucionalidade, a Suprema Corte dos Estados Unidos tem a capacidade de recusar a aplicação de normas infraconstitucionais razoavelmente consideradas como incompatíveis com os princípios gerais daquela Constituição. Trata-se, por conseguinte, do exercício de função adjudicatória através da qual legislação e atos jurídicos emanados por autoridades constituídas, federais ou estaduais, podem ser considerados como nulos em virtude do pressuposto básico da supremacia de valores e regras constitucionais.
Dentre as constituições escritas, o problema básico de identificação dos princípios constitucionais torna-se menos tormentoso de ser equacionado, quando comparamos esta problemática com a existente em países desprovidos de constituição escrita. No constitucionalismo escrito, um documento fundamental e ao mesmo tempo básico manifesta uma especifica seleção de regras e princípios constitucionais. Nestes casos, observa-se uma mais nítida diferenciação entre regras e princípios, sendo que os últimos estão muitas vezes revelados no próprio texto da constituição.
Em nosso país, a Constituição Federal revela a natureza tridimensional do pacto federativo, consubstanciando todo um complexo sistema de distribuição, e mesmo de limitação, vertical de poderes políticos autônomos. Nestes casos, as cortes judiciárias ficam encarregadas de prover algum tipo de controle de constitucionalidade das normas jurídicas. Em outros países, poderá até mesmo existir um tribunal especificamente encarregado de proferir decisões abstratas de natureza constitucional, como é o caso do Bunderverfassungsgericht na Alemanha. Este tribunal constitucional federal, diga-se de passagem, foi criado com a missão básica de proteger não apenas o pacto federativo germânico, mas também a generalidade dos princípios fundamentais, explícitos ou não, porém deduzíveis da Lei Fundamental de 1949. Dentre os explicitamente contidos no texto constitucional alemão, podemos mencionar os princípios da dignidade humana, da subsidiaridade estatal, e do Estado Social de Direito.
Em nosso caso, a Constituição Federal de 1988 revelou-nos expressamente os princípios constitucionais da República: a perpetuidade do pacto federativo; a concepção de Estado democrático de Direito; o princípio republicano da soberania popular; a postulação da dignidade da pessoa humana; a defesa da livre-iniciativa; e, last but not least, o princípio do pluralismo político. Contudo, a manifestação expressa de princípios constitucionais, como já vimos, não se configura em privilégio nosso. Na França, por exemplo, os princípios constitucionais também estão expressamente revelados: a soberania nacional e a defesa dos direitos humanos, assim como definida pela Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789.
Na realidade, alguns juristas, em particular os juristas anglo-saxões, alegariam que os princípios constitucionais não podem ser exatamente efetivados por força de enunciação pela constituição escrita, mas alicerçados dentro de uma determinada atmosfera social e de tradição jurídica que se permitiria até mesmo à revogação tácita de aspirações mais utópicas, ou irrealistas, do legislador constituinte. Neste caso, T.R.S. Allan veio a ponderar que todo e qualquer princípio constitucional não possui validade prática alguma, salvo se conectado a uma dimensão valorativa pela qual este mesmo princípio pode verdadeiramente vir a ser efetivado em sociedade. Dentro de tal ótica, um determinado princípio constitucional deve ser primeiramente observado de acordo com a sua força intrínseca, mas que é fato tendente a uma certa variação em relação aos fatos e circunstâncias sociais, políticas, e até mesmo econômicas da nação. [vi]
Por outro lado, a observação de T.R.S. Allan baseia-se em interpretação de princípios constitucionais ingleses, motivo pelo qual ficaria associada à perspectiva jurisprudencial da common law. Ainda assim, as lições deste importante jurista britânico servem como uma advertência sobre os perigos da positivação de princípios incompatíveis com os valores básicos de uma sociedade, para a qual, afinal de contas, tais princípios pretendem se concretizar. Em muitos países, princípios constitucionais estão positivados sob uma realidade social bastante instável, bem como fundados em certo momento de ruptura institucional com um passado recente que se pretenderia definitivamente revogar. Este tipo de rompimento com o passado foi exatamente o que ocorreu na Alemanha, motivo pelo qual a sua Lei Fundamental de 1949 consagra princípios rompedores com a ideologia nacional-socialista.
T.R.S. Allan, portanto, expressa-se em nome de uma realidade sui generis, que é a do Reino Unido, aonde poderemos encontrar um largo espaço para as discussões sociológicas, e mesmo filosóficas, sobre a teoria constitucional. Isso ocorre, basicamente, porque os juristas britânicos não estão limitados às especificidades formais, e mesmo principiológicas, de uma constituição escrita. Assim sendo, eles podem discutir os temas do constitucionalismo histórico em termos mais abstratos, tais como estabelecendo análises a respeito do valor simbólico do rule of law, bem como o significado do conceito de soberania parlamentar. Quanto ao último, Sir Ivor Jennings compreendeu que a sua dimensão axiológica se observaria não apenas exclusivamente em termos de um ‘direito fundamental’ do Parlamento soberano, mas também em relação ao restante das previsões constitucionais derivadas tanto de processo legislativo quanto da própria produção jurisprudencial no Reino Unido. [vii] Obviamente, uma parte considerável dos princípios constitucionais britânicos é tão antiga que se apresentaria até mesmo como irrevogável pelo Parlamento. São aparentemente irrevogáveis, neste sentido, aqueles princípios provenientes da Magna Charta de 1215 (julgamento por tribunal de júri popular, irretroatividade da pena, devido processo legal, representação legislativa, não taxação sem representação, etc.). Afinal, em momentos de crise constitucional o povo britânico vem reconhecendo, com bastante veemência por sinal, todos os seus mais importantes princípios e direitos constitucionais. Aliás, um certo rei inglês já perdeu a sua cabeça por conta disso. Daí nos lembrarmos das palavras de Sir Edward Creasy: “Se a letra da constituição já é de per si merecedora de toda a nossa admiração, o seu verdadeiro espírito nos é merecedor de admiração ainda maior”. [viii]



3 - Princípios constitucionais e interpretação constitucional



Podemos analogamente avaliar que os princípios fundamentais são como luzes irradiantes para a interpretação constitucional. Afinal, eles provêm o interprete com elementos axiológicos para uma razoável interpretação e, assim sendo, desenvolvem uma lógica sistêmica ao ordenamento constitucional. Indiferentemente ao grau de abstração revelada pelo ordenamento constitucional, cada princípio oferece uma capacidade de enquadramento valorativo de normas jurídicas do ordenamento constitucional, servindo a adequação de regras (ou normas jurídicas) aos casos concretos. Deste modo, a interpretação constitucional encontra-se operacionalizada por princípios que então procedem à justificação valorativa das regras do direito positivo. [ix]
Por isso, os princípios constitucionais agiriam como ‘agentes catalisadores’ do ordenamento constitucional, definindo estratégias razoáveis de interpretação. Pois que cada princípio emanaria uma dose de legitimação à constituição, fazendo-se desta última muito mais do que um simples aglomerado de regras jurídicas desconexas umas com as outras. Antes de tudo, a desconsideração dos princípios constitucionais destruiria à própria integridade do corpo constitucional, em função da imperativa necessidade de reconhecimento de uma certa conexão elementar entre princípios e a própria normatividade do texto constitucional.
Os princípios constitucionais, portanto, demandam análise direcionada à legitimidade de regras, ou normas jurídicas. Estes princípios não se identificam apenas com um único caso concreto, mas com uma percepção mais genérica do ordenamento jurídico. Como podemos deduzir, os princípios desfrutam de posição hierárquica superior em relação às normas jurídicas, haja à vista representarem guiding-forces, ou valores coordenativos, da totalidade do ordenamento jurídico-constitucional. Neste ponto, se juízes procedem a julgamentos em conformidade com elementos principiológicos da constituição, igualmente o cidadão comum possui o mesmo direito de evocar os princípios constitucionais.
No referente à relação entre princípios constitucionais e prestação jurisdicional, devemos considerar que as cortes judiciais estão obrigadas a reconhecer a superioridade dos princípios constitucionais. Ainda que sob a alegação de princípio implícito, os juízes não podem abdicar de julgar os casos concretos trazidos diante de seus tribunais. [x] Além da simples justificação de princípios, cortes de justiça necessitam de harmonizar os princípios entendidos como fundamentais, no que não se configura em tarefa fácil, contudo essencial à compreensão do texto constitucional como muito além de simples repertório de regras isoladas.
Se diferenciarmos os princípios constitucionais de simples regras (ou normas) jurídicas, então concluiremos que estes últimos estão a prescrever um relacionamento do tipo ‘tudo-ou-nada’ em relação ao caso concreto. As regras agem para a adequação da realidade material com o sentido formal da previsão jurídica. Em outras palavras, elas objetivam a abstração legal de um determinado fato submetido à regra formalmente prescrita. Em caso de princípios, estes se aplicariam às circunstâncias previstas por uma miríade de situações jurídicas, suscitando uma abordagem valorativa no tocante a aplicação das regras jurídicas. Com isso, Ronald Dworkin considera haver uma distinção lógica entre regras jurídicas e princípios legais, particularmente no tocante ao fato de que os princípios se apresentariam em razão argüitiva maior; ou seja, em correlação com a existência de elementos axiológicos conferentes de uma certa dimensão de ‘peso’ (weight) e importância para a interpretação. No caso de normas, se os fatos estão estipulados por uma norma especifica, então a regra nela contida tornar-se-ia válida. Isso ocorre quando o caso concreto encontra a sua resposta mediante a própria verificação intrínseca da regra jurídica. [xi]
Para concluir, deve-se considerar que a perspectiva básica dos princípios constitucionais não pode ser confundida com a previsão constitucional de normas programáticas. Normas programáticas, e a nossa Constituição está repleta deste tipo de normas, apresentam-se como aspiração política do legislador constituinte. Aliás, constituições do tipo dirigente são as que concebem um maior número de normas programáticas, demandantes de legislação complementar por parte dos poderes constituídos. Em contraste com os princípios constitucionais, dispositivos programáticos possuem um objetivo político mais específico, mas não fundamental. As normas programáticas definem alguma forma de comando legal para o poder constituído, requerendo-se deste a concretização de previsões não auto-aplicáveis no texto constitucional.



4 - A problemática dos conflitos entre os princípios constitucionais


Tendo-se em conta o simples fato de que constituições escritas requerem algum tipo de configuração lógica, podemos considerar que o ordenamento constitucional necessita de estar dotado de algum tipo de razoabilidade prática. Obviamente, isso demandaria a necessária harmonização não apenas de regras jurídico-constitucionais, mas, para ainda mais adiante, o estabelecimento de mútua convivência entre os princípios da constituição.
Como haveríamos de esperar, os próprios princípios constitucionais poderão, em determinado caso concreto, entrar em conflito. Isso, contudo, não significa necessariamente a prevalência de um certo princípio sobre o outro, ou, do mesmo modo, que alguns deles venham a ser considerados como inconstitucionais. Neste sentido, Otto Bachof chegou a defender que certas previsões do legislador constituinte originário poderiam ser interpretadas como inconstitucionais, se por algum acaso estas entrassem em contradição com os valores transcendentais, ou materialmente constitucionais, da constituição. [xii] Contudo, até mesmo na própria Alemanha, terra do jurista Bachoff, doutrina e jurisprudência majoritária adotam uma interpretação mais positivista das normas constitucionais, de modo a não se admitir a inconstitucionalidade de normas apenas formalmente constitucionais. O que se permite, tendo-se em vista os horrores do comunismo e do nazi-fascismo, e a Alemanha especificamente padeceu sob ambos os regimes totalitários, é o reconhecimento de que todas as normas jurídicas devem receber interpretação orientada à máxima proteção dos direitos individuais.
Em termos práticos, John Rawls defendeu a projeção de uma suposta ordem léxica de interpretação constitucional, por meio da qual nós haveríamos de obter uma mais apropriada esfera interpretativa da constituição. Trata-se, em simples termos, de se afirmar uma hierarquia de princípios na constituição, de maneira que um princípio básico se faz primeiramente presente em relação ao procedimento de interpretação do princípio subseqüente, correlacionado e inferior ao primeiro. Isso, aliás, poderia ser enquadrado como uma condição básica para a aplicação daquele princípio subseqüente, tendo-se em vista a solução mais adequada do caso concreto. Haveria ainda, de acordo com John Ralws, uma seqüência lógica, ou ordenada, de princípios que se prestaria à ponderação razoável de valores, segundo a qual um princípio maior adquire peso absoluto em relação ao seu princípio menor, que se encontra derivado daquele anteriormente revelado. [xiii]
Ocorre que princípios são muitas vezes diferidos de normas em virtude da chamada ‘dimensão de peso’ (dimension of weight). Os valores contidos em princípios ficariam aptos a alcançar uma interpretação razoável para os casos concretos, mas necessitando de serem previamente ponderados. Qualquer tipo de colisão entre os princípios constitucionais, neste sentido, demandaria a complexa avaliação sobre os valores intrinsecamente existentes nestes mesmos princípios, de modo a ficarem estabelecidos os limites específicos da validade jurídica, segundo a qual o processo interpretativo procederá a um certo ajustamento de princípios. Por meio deste tipo de ajustamento, o intérprete da constituição não haverá necessariamente de se recusar a reconhecer um determinado princípio qualquer, mas revelar uma capacidade de adaptação em relação às diversas possibilidades interpretativas do caso concreto.
Na realidade, a própria lógica sistêmica da constituição deveria ser ponderada pelo intérprete, na medida em que os princípios são recebedores de mandatos de otimização que se correlacionam à valoração intrínseca dos mesmos. [xiv] Isso demonstra uma certa existência pluralista dos métodos de interpretação constitucional, aonde a adoção de determinados princípios dependerá de circunstâncias não apenas formais, mas também materiais uma vez que relacionadas ao ‘mundo da vida’.
Por outro lado, a aplicação de vários princípios ao caso concreto também implica suscitar um problema de intensidade, que é resultante de conflitos entre princípios a serem resolvidos mediante a abordagem pragmática do intérprete constitucional. Neste particular, Konrad Hesse sustentaria que os princípios constitucionais demandariam muito mais do que uma simples interpretação lógica, mas também uma interpretação que, ao menos em termos mais propriamente deontológicos, ficaria orientada à própria concretização de aspirações sociais pela constituição escrita. [xv] Konrad Hesse concordaria com a visão de Peter Häberle, mediante a qual o ordenamento constitucional de sociedades democráticas deveria procurar estabelecer uma dimensão amplamente pluralista da interpretação constitucional, de maneira que os princípios não venham a obstruir um processo gradativo de mutação constitucional.
Hesse e Härbele concordariam com a suposição básica de que constituições escritas não deveriam possuir um texto excessivamente analítico, porque toda a Lei Fundamental deve ser ‘democraticamente aberta’ ao desenvolvimento da interpretação constitucional. No mais, constituições muito analíticas, como as do Brasil, Portugal e Espanha, poderiam ‘congelar’ a realidade constitucional, obstruindo-se todo um importante processo criativo, e mesmo adaptativo, de interpretação constitucional. Conforme observa Daniel Sarmento a respeito do conceito de constituição aberta apresentada por Häberle, a Lei Fundamental de uma sociedade democrática e pluralista não deve[ria] engessar a sociedade, mas antes fomentar o embate entre idéias e projetos divergentes, convertendo-se com isso em agente catalisador do ideal democrático e pluralista. [xvi]
Na realidade, o processo interpretativo de uma constituição se desenvolve particularmente em relação aos chamados hard cases, que são aqueles ‘casos difíceis’ de difícil solução aonde os princípios constitucionais entrariam em conflito. Tais casos são, por conta disso, de alta complexidade, porém tendentes ao aprimoramento do sistema constitucional. Os casos difíceis são paradigmáticos no fomentar de debates constitucionais, através deles vindo-se a muito raramente a existir uma única resposta em relação ao caso concreto. [xvii] Em tais casos, o magistrado encontra-se numa difícil situação de haver de considerar toda uma variedade de fatores, motivo pela qual este determinado conflito jurídico poderá suscitar até mesmo o redirecionamento da realidade constitucional. [xviii]

5 - Considerações finais
Como vimos, os princípios constitucionais representam elementos valorativos, ou axiológicos, do ordenamento constitucional. Tais princípios não precisam estar diretamente revelados na constituição escrita, muito embora devam ficar identificados com algum tipo de aspiração nacional. [xix] Se estes princípios expressam valores constitucionais, eles carregam consigo mesmos toda uma sorte de expectativas sociais, fazendo-se a revelação do constitucionalismo histórico. [xx]
Os princípios podem não estar revelados pela Constituição escrita, mas devem ao menos estar implícitos na mesma, assegurando a complementação da sistemática apresentada pelo ordenamento constitucional. Em certos momentos, os princípios constitucionais arriscam-se a produzir delicados conflitos de interpretação, demandando uma razoável ponderação de valores. Nestes casos, determinado princípio constitucional poderá assumir prevalência em relação a um outro de igual natureza axiológica, muito embora a ponderação de princípios dependa não apenas da realidade concretamente apresentada, mas também do próprio grau de razoabilidade no approaching interpretativo.
Para concluir, os princípios constitucionais não são relevantes apenas à questão do direito positivo, mas também no sentido da concepção sociológica de valores subsistentes ao ordenamento jurídico-constitucional. Não obstante a existência de determinados elementos legitimadores do constitucionalismo democrático, que se encontrariam logicamente correlacionados à questão do Estado de Direito e da democracia representativa, haveríamos de igualmente reconhecer uma certa relativização destes princípios, dependentes de especifico ambiente nacional. Isso não significa, por outro lado, que abdiquemos de defender um determinado tipo de interpretação mais compromissado com a natureza garantiste do constitucionalismo democrático, que então se encontraria primeiramente voltado à fundamental garantia dos direitos inalienáveis da pessoa humana.

BIBLIOGRAFIA BÁSICA

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PANORAMA SOBRE O PODER JUDICIÁRIO

PODER JUDICIÁRIO
José Maria Rosa TesheinerJuiz do Tribunal de Alçada do Rio Grande do SulProfessor de Teoria Geral do Processona Faculdade de Direito da UFRGSAjuris, Porto Alegre, (51): 150-7, mar.1991.

SUMÁRIO1. O Poder Judiciário como subsistema de produção de normas jurídicas. 2. Independência e subordinação à lei. 3. Função política? 4. A jurisprudência, fonte do Direito. 5. Caráter nacional do Poder Judiciário. 6. Organização hierárquica do Poder Judiciário. 7. Jurisdição e obediência.


1. 0 Poder Judiciário como subsistema de produção de normas jurídicas.São fontes do Direito a lei, a jurisprudência e o costume. Historicamente, o costume precedeu a jurisprudência e esta, a lei, como hoje a entendemos, isto é, como norma geral e abstrata emitida pelo Estado. Numa ordenação de importância decrescente, a lei, hoje, se superpõe à jurisprudência e esta, ao costume.A sociedade constitui-se produzindo normas costumeiras. Daí a antigüidade do costume. Direito primitivo é Direito costumeiro.

O jus, contemporâneo da sociedade, de que se fala na assertiva ubi societas, ibi jus, é, pois, Direito, jus costumeiro.Ao se organizar em Estado, a sociedade passa a produzir normas jurisprudenciais e legais. Pode se, então, dizer que as normas costumeiras são produzidas pela sociedade; a jurisprudência e a lei, pelo Estado.O costume é de produção lenta, local e de difícil constatação.

Ao se organizar em Estado, a sociedade o constitui como um sistema de produção de normas jurídicas. Produzem-se, então, normas legais e jurisprudenciais, com maior rapidez, eficiência e racionalidade, que constituem emergências do sistema.A lei, sobretudo a lei, pode ser editada rapidamente, sua existência pode ser facilmente determinada e sua vigência pode-se estender sobre imensos territórios, regendo a conduta de indivíduos que, distantes uns dos outros, jamais poderiam gerar costumes comuns a todos. Modernamente, o Estado apresenta-se tripartido em três Poderes: o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.

Este apresenta-se, assim, como subsistema do sistema de produção de normas jurídicas. A sociedade continua a produzir normas costumeiras, mas estas perdem quase toda a sua importância. O que releva, quase sempre, são as normas produzidas pelo Estado, através de seus três Poderes. Todos eles produzem normas gerais e abstratas, sobretudo o Legislativo.Ao Executivo e ao Judiciário caberia, em princípio, a produção de normas concretas. Todavia, isso está longe de refletir a realidade.

O Poder Executivo produz, em larga escala, também ele, normas gerais e abstratas. O Poder Judiciário sim produz especialmente normas concretas, mas com a virtualidade de se tornarem gerais, através do fenômeno denominado jurisprudência.



2. Independência e subordinação à lei.

De acordo com a Constituição (art. 2º), os três Poderes são independentes e harmônicos entre si’.Em nosso sistema jurídico, o Judiciário é relativamente autônomo. Apresenta- se, por um lado, como um superpoder, pois tem competência para julgar e tornar sem efeito os atos da Administração e até para julgar e declarar inconstitucionais as próprias leis que é chamado a aplicar. Apresenta-se, por outro lado, com um subpoder, pois é organizado pelo Legislativo e deve obediência à lei. É sobretudo através do poder de reformar a Constituição que se afirma a primazia do Congresso Nacional.

Subordinado à lei, exerce o Poder Judiciário uma atividade de segunda categoria, pois é a lei que fixa os fins que os Juizes precisam afanosamente descobrir e buscar.E se a lei é injusta? Põe-se, aqui, um problema que não admite resposta simplista. Há muito que se assentou que a lei não contém todo o Direito e que o Direito não se resume à lei. Há normas não escritas. A sociedade, ela própria, segrega diretamente normas jurídicas.

O Juiz é órgão do Estado, mas é também voz da sociedade. O Legislativo, que é representação do povo, pode falsear a sua vontade, fazendo prevalecer os interesses de uns poucos sobre os da imensa maioria da população. Não se pense num Judiciário cego a tudo isso. A primeira qualidade que se exige de qualquer Juiz é a inteligência, capacidade de ver e de pensar. Num sistema complexo, há lugar para algumas rebeldias. Todavia, seria aberrante imaginar-se que o Judiciário pudesse contrapor-se à legislação como um todo, em nome de um princípio superior de justiça.

Ao destruir os outros Poderes, estaria o Judiciário a destruir-se a si próprio. Há que se considerar, ainda, que, entre nós, os Juizes não são eleitos, não sendo, pois, representantes diretos do povo, não podendo, assim, arrogar-se o direito de falar em seu nome.São, a maioria de nossos Juizes, nomeados após concurso, porque se quer sentenças que tenham maior conteúdo de conhecimento que de vontade. O Juiz que afasta a lei com um piparote trai a missão que Ihe foi confiada e se arroga um poder que não tem. Freqüentemente, porém, o que se afirma lei injusta não passa de interpretação tola. Nosso sistema, fundado em leis gerais e abstratas, é, por isso mesmo, um sistema flexível.

A hermenêutica abre amplo espaço para a adequação da norma geral ao caso concreto, afastando-se injustiças decorrentes da imprevisão do legislador relativamente às peculiaridades de cada caso. Para isso, aliás, existem os Juizes: para que cada um possa ter examinado o seu caso, com as suas circunstâncias próprias.



3. Função política?



O Judiciário é um Poder, tanto quanto o Legislativo e o Executivo. Indubitável, pois, que exerce atividade de governo.Essa atividade é também política? Segundo ALIOMAR BALEEIRO, ela o é sim, quando se trata de declarar, mesmo em concreto, a constitucionalidade ou inconstitucionalidade de lei, regulamento ou atos das mais altas autoridades. Diz que ‘nem sempre isso foi bem compreendido pelos escritores europeus do continente’, porque ‘educados em sistemas jurídicos diversos, de supremacia do Poder Legislativo, segundo as concepções políticas do parlamentarismo; além disso, nesses países, durante séculos, os Tribunais não foram havidos como órgãos de um Poder independente, na mesma hierarquia do Parlamento e do titular do Executivo, mas como delegados deste último, fazendo justiça em nome do rei; julgar, afinal, pareceu, durante muito tempo, a gerações desses países, como simples modalidade de administração; em algumas dessas nações, grande parte das controvérsias mais relevantes cabe à competência de órgãos jurisdicionais administrativos, como o famoso Conselho de Estado, na França, onde exerce papel comparável ao da Corte Suprema dos Estados Unidos, mas sempre sem poder declarar a inconstitucionalidade de leis’ (BALEEIRO, Aliomar. O Supremo Tribunal Federal, esse outro Desconhecido. Rio de Janeiro, Forense, 1968, p. 104-8).


Penso que, para se negar ou afirmar a natureza política da atividade do Poder Judiciário, é preciso que se comece por conceituar o que seja política.Pode-se defini-la como sendo a determinação, por um ser, de seus próprios fins. Nesse sentido, todo homem exerce atividade política, porque determina seus próprios fins. Pode-se ir além e dizer que todo corpo social exerce atividade política, na medida em que se autodetermina, em busca, primeiro que tudo, de sua própria sobrevivência, pois não é difícil observar que também as organizações sociais têm um como que instinto de conservação, dificilmente aceitando a sua própria morte ou dissolução.

Não é, porém, nesse sentido que se põe a pergunta a respeito da eventual natureza política da função judiciária. O que se indaga é se o Poder Judiciário, como órgão do Estado, exerce a função de fixar fins do Estado. Ora, a atividade do Judiciário é atividade de interpretação. Ainda que se bate de declarar a inconstitucionalidade de lei em tese, ainda aí se trata de interpretar, confrontando-se uma dada interpretação da Constituição com uma dada interpretação de uma lei acoimada de inconstitucional.

Trata-se, pois, sempre e acima de tudo de atividade de interpretação. Ora, a atividade do intérprete volta-se à busca do pensamento de outrem, à determinação da vontade de outrem.Assim, ao interpretar a Constituição e as leis, não está o Judiciário a fixar, ele próprio, os fins do Estado, mas sim a declarar que fins foram de antemão fixados, pelo legislador, na Constituição ou nas leis. Conclui-se, então, que a atividade política não concerne ao Judiciário, embora não se ignore que ele pode fazer política, na medida em que pode falsear a vontade da lei, conforme a conhecida fórmula traduttore traditore.



4. A jurisprudência, fonte do Direito.



Nenhuma dúvida há de que nosso sistema jurídico se funda na supremacia da lei. Há de se afastar, contudo, o dogma da onipotência do legislador, ainda que este se apresente como constituinte. A sociedade segrega normas jurídicas, sob a forma de costumes, fonte do Direito que perdeu muito, mas não por completo, a sua importância. Hoje, a produção de normas jurídicas, diretamente pela sociedade, independentemente e contra o aparelho estatal, apresenta-se sobretudo sob a forma de rejeição. Na verdade, as leis precisam ser aceitas pela sociedade. Não basta que as faça o legislador.

Daí o interessantíssimo fenômeno, com que volta e meia se defrontam os Tribunais, das leis que não são leis, das leis que o são nos livros, mas não na vida real. O dogma da onipotência do legislador é, primeiro que tudo, falso, e serve, em segundo lugar, para justificar qualquer absurdo e toda injustiça provenientes dos detentores do poder político.Entre o Legislativo, que produz as leis, e a sociedade, que as recebe ou rejeita, encontram-se os Juizes, chamados a aplicar as leis que a sociedade aceitou e os costumes que se conformam com as leis. Os Juizes são governo e são povo.

São tanto mais governo quanto mais alto o degrau em que se encontram na hierarquia do Poder Judiciário. Tanto mais povo, quanto mais dele se aproximam, por suas origens, por suas idéias, por seus sentimentos e por seu comportamento. Ocupando posição intercalar, são chamados a atender e a fazer cumprir as determinações do alto, mas também a ouvir e a atender as aspirações que vêm do subsolo do corpo social.Nessa posição ambígua de órgãos de governo e voz do povo, os Juizes e o Poder Judiciário segregam a jurisprudência que, é claro, não se confunde com o mero precedente, isolado, que freqüentemente não representa senão uma deturpação jurídica, produto da má cabeça ou de um mau momento, de algum Juiz ou Tribunal.Das leis, normas gerais e abstratas, deduzem-se as normas jurídicas concretas, que se aplicam a cada caso.

Em sentido inverso, das normas concretas, produzidas pelos Tribunais, induzem-se normas gerais e abstratas e eis, então, aí, o fenômeno da jurisprudência.De um ponto de vista sociológico, é certo que a jurisprudência é fonte do Direito. Seria fácil apontar normas gerais que dela emergiram, ainda que contra a lei. A negação, à jurisprudência, do caráter de fonte do Direito, tem evidente cunho ideológico. Nega-se a produção de Direito pelos Tribunais, a fim de que eles não sejam tentados a produzi-lo.Cabe perguntar, então, se, de um ponto de vista estritamente jurídico, mais ideal do que real, a jurisprudência deve ou não ser havida como fonte do Direito.

A pergunta pode ser posta de uma forma mais brutal, indagando-se, enfim, se Juizes e Tribunais podem decidir contra a lei ou, em latim, para ser menos chocante, se eles podem decidir contra legem. Efetivamente, não há nenhuma dificuldade teórica em se admitir a jurisprudência secundum legem ou praeter legem. Todo o problema se põe, de maneira viva e dolorida, em face da jurisprudência contra legem.Não há dúvida quanto à primazia da lei, em nosso sistema jurídico. Primazia sim, não monopólio. As leis, emitidas no passado, freqüentemente vigem no presente em descompasso com as circunstâncias em que são chamadas a atuar. Há também as hipóteses de leis monstruosas e de leis tolas, e seria monstruoso e constituiria tolice exigir-se que os Tribunais as aplicassem tal como foram editadas.

Há, ainda, o caso das leis que a sociedade rejeitou e que, por isso, não podem ser aplicadas. Há, sobretudo, a lição que os séculos nos legaram, no sentido de que o Direito não se contém todo nas leis. Há, pois, que se admitir a jurisprudência como fonte do Direito. Introduz-se, assim, uma certa desordem no sistema jurídico, que deixa de ser monolítico. Ressalte-se, porém, que uma ordem perfeita e absoluta não passa de um sonho, ou melhor, de um pesadelo tecnocrático, tendo mais a ver com os delírios das idéias do que com as realidades da vida.


5. Caráter nacional do Poder Judiciário.




De acordo com a Constituição, o Brasil e uma República Federativa e, por isso mesmo, cada Estado tem o seu Poder Legislativo, o seu Poder Executivo e o seu Poder Judiciário.Entretanto, não somos uma verdadeira Federação, nem há verdadeiros Judiciários estaduais. As competências remanescentes, atribuídas aos Estados (Constituição, art. 25, § 1º), reduziram-se a quase nada. A Justiça de cada Estado é organizada e mantida pelo Estado-membro, mas as leis que aplica são federais. Se a parte invoca Direito estadual, pode ter de provar-lhe o teor e a vigência, assim, como quando alega Direito estrangeiro (CPC, art. 337).

Ora, uma Justiça verdadeiramente estadual teria de aplicar Direito estadual. Não houvesse essa razão, já por si bastante para excluir a existência de verdadeiras Justiças estaduais, haveria que se considerar, ainda, o controle hierárquico exercido pelos Tribunais Superiores da União sobre as decisões dos Tribunais locais.Tem-se dito, desde a lição de João Mendes, na vigência da Carta de 1891, que ‘o Poder Judiciário não é federal, nem estadual; é eminentemente nacional, quer-se manifestando na jurisdição federal, quer-se manifestando nas jurisdições estaduais, quer-se aplicando no cível e quer-se aplicando no crime, quer decidindo em superior, quer decidindo em inferior instância’ (Direito Judiciário, p. 40).


Significa isso que o sistema judiciário desconsidera a distinção entre União e Estado, é órgão da soberania nacional, porque desconsidera a Federação.Isso importa em dizer que não há Justiças verdadeiramente estaduais, mas um Poder Judiciário único, que se pode mais ou menos indiferentemente qualificar como nacional ou federal, embora seja mais própria a primeira denominação — nacional — exatamente em virtude do apagamento das linhas da Federação.6. Organização hierárquica do Poder Judiciário.

Aos Juizes se confere o poder de dizer o Direito, nos casos submetidos à sua jurisdição. Daí decorre uma ampla autonomia, que exclui ou modera algumas formas de controle hierárquico. Assim, não cabe, no Âmbito do Poder Judiciário, a demissão de Juiz, ao nuto de órgão superior e, embora se admita que se oriente a atividade dos órgãos de primeiro grau, mediante circulares, portarias e ordens de serviço, certo é que por elas não se pode determinar o teor das decisões que devam proferir. Nem por isso deixa de ser hierárquica a organização do Poder Judiciário.Ora, quem diz hierarquia diz subordinação do inferior ao superior.

Há, efetivamente, órgãos superiores, como o STF e o STJ, há órgãos inferiores, como os Juizes de primeiro grau e, entre uns e outros, os Tribunais de segunda instância.Aos Tribunais se confere poder disciplinar. Assim, o art. 93, VlII, da Constituição, estabelece que ‘o ato de remoção, disponibilidade e aposentadoria de magistrado por interesse público fundar-se-á em decisão por voto de dois terços do respectivo Tribunal, assegurada ampla defesa’. Para as demais sanções disciplinares, basta a maioria absoluta dos membros do respectivo Tribunal (art. 93, X).

Todavia, é sobretudo pela devolução ao superior hierárquico do ato praticado pelo inferior que se exerce o controle hierárquico, no âmbito do Poder Judiciário. Excluída a avocação, incompatível com o sistema processual, o controle dos atos praticados pelos órgãos inferiores se exerce pelos recursos, bem como pelas ações de impugnação, como a ação rescisória, a revisão criminal e o mandado de segurança. Como observa RUY CIRNE LIMA, a subordinação hierárquica estabelece-se, se, mais entre os atos do que entre os indivíduos (conf. Princípios de Direito Administrativo. Porto Alegre, Sulina, 1964, p. 154).

No caso do Tribunal de Justiça do Mato Grosso, o STF firmou sua própria posição, como órgão máximo da hierarquia judiciária. Ocorrera que, em 1949/50, o Tribunal de Justiça daquele Estado se dividira em duas facções: uma, elegera Presidente do Tribunal o Des. Mário Corrêa da Costa; a outra, o Des. Antônio Arruda. Ambos consideraram-se eleitos, cada qual impugnando a eleição do outro.Os eleitores de Antônio movimentaram-se: um deles impetrou mandado de segurança e outro o despachou, concedendo liminar impeditiva da posse de Mário que, embora Juiz, a ela desatendeu.


Também Mário impetrou mandado de segurança ao mesmo Tribunal de que fazia parte, igualmente obtendo liminar.O ex-Presidente, bem como os eleitos, ofereceram representações ao STF, que delas conheceu, como reclamações.Do ponto de vista jurídico-formal, várias eram as dificuldades que se antolhavam à Suprema Corte, a saber: a questão de sua competência para, órgão federal, intervir em órgão da Justiça estadual, em problema interno seu, de caráter político-administrativo; a inexistência, em nosso sistema legal de então, da própria reclamação, como remédio jurídico; a pendência de mandado de segurança, que ficaria anulado, sem forma nem figura de juízo, pelo conhecimento da reclamação.

À primeira questão, respondeu o STF com o caráter nacional do Poder Judiciário, afirmando-se ‘instância de superposição em relação a todas as jurisdições do país’; o cabimento da reclamação foi afirmado como decorrência de sua competência implícita ou por força de compreensão, deduzida pelo método construtivo; a pendência de mandado de segurança foi desconsiderada, ‘tanto mais que os que agora pugnam por esse efeito suspensivo do seu mandado não se detiveram diante do outro, contra eles anteriormente concedido in limine; e, por acórdão de 20.1.50, deferiu a medida, anulando ambas as eleições e determinando a realização de uma terceira (conf. COSTA, Edgar.

Os Grandes Julgamentos do STF. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, III/157-82 (1947-1955).



7. Jurisdição e obediência.


O Judiciário é um Poder. Exerce atividade de governo. Incumbe-lhe dizer, em cada caso, o que é direito. Cabe-lhe exercer uma atividade como que imunológica, rejeitando as leis inconstitucionais bem como declarando a rejeição social de algumas normas. Produz a jurisprudência, que, como a lei, é fonte do Direito. Tudo isso é verdade e, contudo, é preciso que se apregoe a supremacia da lei e se pregue a subordinação do Juiz à lei. Investido na sua função, na forma e em virtude da lei, deve o Juiz fidelidade ao sistema jurídico que o constituiu como órgão seu. Não se pretenda libertar o Juiz do dever de obediência à lei, ainda que em nome da Justiça, porque a liberdade do Juiz submete os jurisdicionados ao arbítrio e aos caprichos de sua autoridade. Prendem-se as feras, para que não periclitem a vida de todos.

Pode o Juiz, em especiais circunstâncias, pôr entre parênteses alguma norma aparentemente jurídica. Deve, porém, fidelidade ao sistema jurídico que o constituiu, sob pena de trair a missão que Ihe foi confiada. Não se prega uma submissão tola, nem cega, mas uma obediência inteligente e voluntária, mais aceita como necessidade social que imposta por coerção autoritária.Se desaparece o dever de obedecer, em consciência, tudo se reduz a um jogo de forças. Mandam os mais fortes, submetem-se os vencidos e, ao termo de tudo, não se tem nem lei, nem Direito, nem Justiça, mas violência, arbítrio e arrogância.

O PODER JUDICIÁRIO PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL

As informações abaixo foram extraídas do site:

www.editoraferreira.com.br/publique/media/irapua_toq5.pdf

PODER JUDICIÁRIO
O Poder Judiciário tem como definição o conjunto de órgãos públicos ao qual foi deferida com
exclusividade a função jurisdicional. Neste sentido, importante registrar que Jurisdição é o poder de
aplicar a lei aos casos concretos e controvertidos, mediante processo em que a decisão irá produzir a
coisa julgada, por força do que consta de uma sentença.
O Poder Judiciário detém o monopólio da jurisdição; desta forma, ato jurisdicional é aquele
capaz de produzir a coisa julgada. O Poder Judiciário, além da sua função típica, que é a jurisdicional,
exerce funções atípicas, quando administra e quando legisla. Administra, por exemplo, quando concede
licença e férias aos seus membros e serventuários; legisla quando edita normas regimentais.
1- ÓRGÃOS DO PODER JUDICIÁRIO - ART. 92
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
STJ
TST
TSE
STM
TJ
TRF
TRT
TRE
Juiz Estadual
Juiz
Federal
Juiz do
Trabalho
Juiz
Eleitoral
Outros tribunais
e Juízes
militares
Organizados pelos Estados (art. 125 CF)
STF e Tribunais Superiores:
√ Sede no Distrito Federal
√ Jurisdição em todo o território nacional
√ A composição não possui quantidade uniforme em todos os tribunais
√ Seus julgadores são denominados Ministros:
􀂾 Com mais de trinta e cinco anos e menos de sessenta e cinco anos (regra)
􀂾 Nomeados pelo Presidente da República, após aprovação do Senado
􀂾 No TSE, TST e STM existem alguns critérios para algumas vagas
Com a listagem dos órgãos no art. 92, a Constituição de 1988 extinguiu o antigo Tribunal
Federal de Recursos – TFR. Ademais, a Emenda da Reforma do Judiciário - n° 45, de 2004, - extinguiu
a hipótese de existência do Tribunal de Alçada, através de dispositivo1 não incluído no texto da
Constituição.
A Constituição Federal, além de definir os órgãos do Poder Judiciário e definir-lhes a
competência, determina algumas regras básicas sobre tais órgãos e Juízes, afirmando ainda que outros
1 Art. 4° da Emenda 45 “Ficam extintos os tribunais de Alçada, onde houver, passando os
seus membros a integrar os Tribunais de Justiça dos respectivos Estados, respeitadas a
antiguidade e classe de origem”.
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA
2
detalhamentos dos preceitos nela contida serão dadas por Lei Complementar (cujo projeto de lei é de
iniciativa reservada ao STF) que se conhece como o Estatuto da Magistratura (art. 93, caput, CF)
2- GARANTIAS DOS MAGISTRADOS (ART.95)
Vitaliciedade
Significa que o juiz só pode ser afastado do cargo por vontade própria e apenas o perderá por sentença
judiciária ou aposentadoria compulsória de acordo com o artigo 93, VIII da CF.
São vitalícios desde a posse:
• os ministros do STF
• os ministros dos Tribunais Superiores
• os desembargadores do TJ
• os “desembargadores” federais do TRF
• os juizes do TRT
• os juizes dos Tribunais de Segunda Instância da Justiça Militar dos Estados
São vitalícios após dois anos de exercício, dependendo a perda do cargo de deliberação do
Tribunal a que estives vinculado:
• os juizes federais
• os juizes estaduais
• os juízes do trabalho de primeiro grau
• os juizes militares de primeiro grau
Inamovibilidade
Refere-se à permanência do juiz no cargo para o qual foi nomeado, não podendo o poder público
designar-lhe outro lugar onde exerça sua função, nem o tribunal a que está administrativamente
subordinado, salvo por motivo de interesse público, mediante voto da maioria absoluta2 dos membros
efetivos do Tribunal competente (ou do órgão especial) ou do Conselho Nacional da Justiça 􀃆 art. 93,
VIII CF.
Irredutibilidade de Subsídios
Fixados ou alterados por lei específica (art. 37, X CF) e que encontra a ressalva constitucional quanto
ao teto da remuneração (art. 37, XI CF) e a incidência do Imposto sobre a Renda (art. 153, III e §2° CF)
3- PROIBIÇÕES (ART. 95, parágrafo único, CF)
√ Exercer, ainda que em disponibilidade, outro cargo ou função, salvo uma no magistério;
√ Receber, a qualquer título ou pretexto, custas ou participação em processo;
√ Dedicar-se à atividade político-partidária;
√ Receber, a qualquer pretexto, auxílios ou contribuições de pessoas físicas, entidades públicas
ou privadas;
√ Exercer advocacia no juízo ou tribunal do qual se afastou, antes de decorrido três anos do
afastamento por aposentadoria ou exoneração.
2 Atenção: a redação original da Constituição exigia o quorum de 2/3, sendo a maioria
absoluta empregada após a Emenda Constitucional n° 45, de 8 de dezembro de 2004
3
Estas duas últimas hipóteses foram incluídas nas proibições pela Reforma do Judiciário, promovida
pela Emenda Constitucional n° 45, de 2004, sendo a última costumeiramente denominada de
quarentena.
4- INGRESSO NA CARREIRA DA MAGISTRATURA
A- Cargo Inicial
. Juiz Substituto
B- Concurso Público
. Provas e Títulos, com a participação da OAB em todas as fases.
C- Requisito básico
. bacharel em direito, com, no mínimo, três anos de atividade jurídica.
5- PROMOÇÃO DE ENTRÂNCIA PARA ENTRÂNCIA - CRITÉRIOS
. Antigüidade e Merecimento (ver artigo 93, II)
6- ACESSO AOS TRIBUNAIS DE SEGUNDO GRAU
De acordo com a Constituição Federal o acesso aos tribunais de segundo grau far-se-á por antigüidade
e merecimento, alternadamente, apurados na última entrância.
7- SUBSÍDIOS DOS MAGISTRADOS
A- Valor
• os subsídios, na forma da Emenda Constitucional n° 19, dos magistrados serão fixados com
diferença não superior a 10% (dez por cento) de uma para outra das categorias da carreira, ou
inferior a 5% (cinco por cento).
• De igual forma, não poderão ser superiores a 95% (noventa e cinco por cento) dos Ministros dos
Tribunais Superiores que receberão 95% (noventa e cinco por cento) do subsídios dos Ministros do
Supremo Tribunal Federal
B- Valor Máximo
. Ministros do Supremo Tribunal Federal
8- APOSENTADORIA
. na forma do artigo 40, conforme redação da Emenda Constitucional n° 20
9- RESIDÊNCIA DO MAGISTRADO
. o juiz titular residirá na respectiva comarca
Cuidado que a E. C. n° 45/2004 incluiu uma ressalva no caso de autorização especial do tribunal
10- REMOÇÃO, DISPONIBILIDADE e APOSENTADORIA DO MAGISTRADO
De acordo com o artigo 93, o ato de remoção, disponibilidade e aposentadoria do magistrado, por
interesse público, fundar-se-á em decisão por voto da maioria3 absoluta do respectivo tribunal ou do
Conselho Nacional de Justiça, assegurada ampla defesa.
3 Atenção: a redação original da Constituição exigia o quorum de 2/3, sendo a maioria
absoluta empregada após a Emenda Constitucional n° 45, de 8 de dezembro de 2004, assim
como a possibilidade de decisão do Conselho Nacional de Justiça
4
No caso específico da remoção – ou da permuta –, determina ainda Constituição (art. 93, VIII-A) que
deverão ser observados os mesmos requisitos – naquilo que couber – dos critérios para a promoção.
11- DAS DECISÕES ADMINISTRATIVAS
As decisões administrativas dos tribunais serão motivadas e públicas, sendo as disciplinares
tomadas pelo voto da maioria absoluta de seus membros. (art. 93, X, CF)
Vale lembrar que os Tribunais possuem, além de sua função jurisdicional típica, funções
administrativas, tendo a Constituição lhes conferido autonomia administrativa e financeira, nos termos
do art. 99.
AUTONOMIA ADMINISTRATIVA AUTONOMIA FINANCEIRA
Art. 96, I, CF Art. 99, §§ CF
Encaminhamento da proposta de orçamento
Órgãos diretivos e Regimento interno;
Organização dos serviços e secretarias;
Provimento de cargos e questões funcionais;
Propor criação de novas varas
Art. 100 CF
precatórios
12- ÓRGÃO ESPECIAL – Art. 93, XI, CF
Nos tribunais com número superior a vinte e cinco julgadores poderá ser constituído órgão especial,
com o mínimo de onze e o máximo de vinte e cinco membros, para o exercício das atribuições
administrativas e jurisdicionais da competência do Tribunal pleno.
Para sua composição: 50% por antiguidade
50% por eleição no tribunal pleno
13- QUINTO CONSTITUCIONAL – Art. 94 CF
A- Noção
Um quinto dos lugares dos Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais dos Estados, e do Distrito
Federal e Territórios4 será composto de membros, do Ministério Público, com mais de dez anos de
carreira, e de advogados de notório saber jurídico e de reputação ilibada, com mais de dez anos de
efetiva atividade profissional, indicada em lista sêxtuplo pelos órgãos de representação das respectivas
classes.
B- Procedimento
Recebidas as indicações, o tribunal formará lista tríplice, enviando-as ao Poder executivo, que, nos
vinte dias subseqüentes, escolherá um de seus integrantes para nomeação.
14 – DETALHES NA ATIVIDADE JURISDICIONAL
A- Julgamentos (art. 93, IX, CF)
− públicos, com eventual limitação à presença das partes e dos advogados
− decisões fundamentadas
4 Os Tribunais Regionais do Trabalho, Tribunais Regionais Eleitorais e Tribunais Militares de
segundo grau possuem critérios para composição próprios e especialmente declinados para
eles na Constituição
5
B- Ininterruptas (art. 93, XI, XF)
− vedadas as férias coletivas
− juízes de plantão, nos dias que não houver expediente forense normal
C- Número de magistrados (art. 93, XII, CF)
− proporcional efetiva demanda judicial
população
D- Delegação para servidores (art. 93, XIV, CF)
− atos de administração
− de mero expediente (sem conteúdo decisório)
E- Distribuição dos processos (Art. 93, XV, CF)
− imediata => em todos os graus de jurisdição
F- Cláusula de reserva
− quando, nos tribunais, tiver que ser declarada a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo,
somente será possível pela maioria absoluta dos membros do Tribunal Pleno ou do órgão
especial, se houver => art. 97 CF
G- Juizados Especiais e Justiça de Paz
− juizados especiais => procedimentos orais e simplificados

ESTABILIDADE DO SERVIDOR PÚBLICO PELA CONSTITUÇÃO FEDERAL

As informações abaixo foram extraídas do site:

http://concurseironline.blogspot.com/2008/05/estabilidade-do-servidor-pblico-antes-e.html

Estabilidade do servidor público antes e depois da Emenda Constitucional 19/1998
Direito Administrativo Add comments
Para iniciar o assunto, falemos um pouco sobre estabilidade. Este instituto, há muito existente em nosso ordenamento, embora hoje seja atacado por muitos, tem como fim principal assegurar aos ocupantes de cargos públicos de provimento efetivo uma expectativa de permanência no serviço público, desde que adequadamente cumpridas suas atribuições. A preocupação que justificou a criação do instituto, e sua elevação a patamar constitucional, é a de que os servidores públicos sofram pressões e ingerências de natureza política visando a favorecer este ou aquele “amigo do príncipe”, em evidente detrimento do interesse público. É incontroverso que servidores nomeados com base em critérios políticos para cargos de livre exoneração são extremamente vulneráveis a toda sorte de pressões, agindo praticamente a mando daqueles que têm poder para nomeá-los ou exonerá-los.


Outro motivo importante para explicar a existência da estabilidade é a necessidade de profissionalização dos quadros funcionais do serviço público, o que se torna inviável se a cada mudança de governo puderem ser promovidas grandes “degolas”, com a substituição dos apadrinhados da administração anterior pelos apadrinhados da vez.


A Constituição de 1988 tratou da estabilidade em seu art. 41. Pelo texto original (antes da EC 19/98) a estabilidade foi conferida aos servidores nomeados em virtude de concurso público após dois anos de efetivo exercício e uma vez adquirida a estabilidade não existia qualquer hipótese de exoneração do servidor por iniciativa da administração, entendida exoneração como rompimento do vínculo entre o servidor e a administração sem caráter punitivo. As únicas hipóteses de perda do cargo do servidor eram as decorrentes de falta grave, após processo administrativo disciplinar, ou o trânsito em julgado de sentença judicial, que pode acarretar a perda do cargo, por exemplo, como efeito de sentença penal condenatória.


A partir da EC 19, a estabilidade passou a ser conferida somente após três anos de efetivo exercício. Embora o caput do art. 41 após a Emenda tenha passado a explicitar que somente os servidores ocupantes de cargos de provimento efetivo nomeados em virtude de concurso público podem adquirir estabilidade, sempre foi entendimento pacífico da doutrina e da jurisprudência de que nem os empregos públicos (regime da CLT) e muito menos os cargos em comissão geram direito ao instituto em estudo.


A aquisição da estabilidade, a partir da EC 19, passa, assim, a ter regramento distinto para os servidores já empossados na data de sua promulgação e para aqueles que ingressaram depois: a) para os primeiros foi expressamente garantida, pelo art. 28 da Emenda, a aquisição em dois anos de efetivo exercício; b) para os empossados após a alteração, três anos são necessários.


Outro aspecto a ser salientado é que o § 4º do art. 41 passou a estabelecer como condição para a aquisição da estabilidade a submissão do servidor a uma avaliação especial de desempenho feita por comissão instituída para esse fim. Desse modo pode-se afirmar que, nos exatos termos do texto constitucional, a EC 19 terminou com a possibilidade de aquisição de estabilidade por mero decurso de prazo, como anteriormente era a regra.


Exemplificando: o fato de o servidor ter completado o período exigido, 2 ou 3 anos, a depender do caso, não o torna automaticamente estável; a avaliação por comissão passa a ser condição imprescindível (sine qua non) para a aquisição desta garantia.


Saliente-se que, mesmo para aqueles servidores já empossados na data da promulgação da Emenda, que tiveram assegurado o prazo de 2 anos, a avaliação de desempenho, nos termos da constituição, passou a ser condição indispensável para a aquisição da estabilidade, por força do expressamente disposto no art. 28 da EC 19/98.


A respeito da perda do cargo do servidor, verifica-se que passam a ser quatro as hipóteses de rompimento do vínculo funcional entre a administração e o servidor estável: 1 - sentença judicial transitada em julgado; 2 - processo administrativo com ampla defesa; 3 - insuficiência de desempenho, por meio de avaliação periódica, na forma de lei complementar, assegurada ampla defesa; 4 - excesso de despesa com pessoal, nos termos do art. 169, § 4º.


Antes de analisarmos as hipóteses acima, cumpre fazermos uma distinção terminológica: demissão é a perda do cargo por falta grave ou como efeito de sentença penal condenatória, vale dizer, demissão sempre tem caráter punitivo (não existe, como às vezes ouvimos falar, a figura absurda da “demissão a pedido” do próprio servidor). Exoneração é perda de cargo público nos demais casos. Atualmente já não podemos afirmar que a exoneração não possua nenhum caráter punitivo, pois o projeto de lei complementar que trata da perda do cargo por insuficiência de desempenho refere-se a ela como exoneração. Em verdade, mesmo antes da EC 19/98, já era difícil defender ausência de caráter punitivo, por exemplo, na exoneração por inabilitação em estágio probatório (principal hipótese de perda do cargo por servidor não estável).


Voltando às hipóteses de perda do cargo por servidor estável, verificamos que as duas primeiras já constavam do texto original da Constituição. As novidades são os casos de exoneração por insuficiência de desempenho e por excesso de gastos com pessoal (esta, evidentemente, não possui nenhum caráter punitivo!).

A exoneração por insuficiência de desempenho depende de lei complementar. O projeto atualmente em votação prevê instituição de comissão para avaliação individual anual do servidor, que terá o direito de acompanhar os trabalhos desta comissão. Recebendo o servidor duas avaliações de desempenho insuficiente consecutivas ou três intercaladas em cinco anos dá-se a exoneração. É tão evidente que se trata de punição que o próprio texto constitucional assegura ampla defesa ao servidor (lembremos que a CF, em seu art. 5º, LV dispõe que aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes).


Já a exoneração do servidor estável por excesso de despesa com pessoal está prevista no art. 169, § 4º, da CF (redação da EC 19/98) e regulada na Lei nº 9.801, de 14/06/99.


Prevê o texto atual da Constituição que se após a adoção de medidas de saneamento das despesas com pessoal ativo e inativo estas permanecerem acima dos limites estabelecidos em lei complementar (atualmente estes limites são de 50% da receita líquida corrente para a União e de 60% para os Estados, DF e Municípios) o servidor estável poderá perder o cargo.


A Emenda estabeleceu como medidas obrigatórias a serem adotadas com vista à adequação de despesas aos limites fixados, nesta ordem:


1ª) a redução, em pelo menos vinte por cento, das despesas com cargos em comissão e funções de confiança;

2ª) a exoneração dos servidores não estáveis;


3ª) no caso de, após a adoção das medidas acima, permanecerem os gastos com pessoal acima dos limites, poderão ser exonerados os servidores estáveis.


Conceder-se-á ao servidor exonerado uma indenização correspondente a um mês de remuneração por ano de serviço e torna-se obrigatória a extinção do cargo por ele ocupado, vedando-se a criação de cargo, emprego ou função com atribuições iguais pelo prazo de quatro anos.


Finalizando, podemos frisar que é incorreta a afirmativa, muitas vezes difundida, de que a Emenda 19/98 acabou com a estabilidade. Nosso ordenamento continua albergando este importante instituto, embora, atualmente, as garantias dele decorrentes estejam sensivelmente atenuadas (para você, concursando estressado, vai um alento: a não ser que esteja pretendendo fazer concurso público para um Estado com as receitas extremamente comprometidas com a folha de pagamentos, não há grandes razões para preocupação. Não é muito provável que a União venha a exonerar servidores estáveis, inclusive porque apadrinhados demais teriam que ser degolados antes...). Até a próxima.

DOS DIREITOS SOCIAIS NA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL

DOS DIREITOS SOCIAIS NA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL (*)

As informações abaixo foram extraídas da internet cujo texto foi criado por Carlos Mário da Silva Velloso, Ministro do Supremo Tribunal Federal, Professor-Emérito da PUC/Minas Gerais e da Universidade de Brasília. Este foi o Texto básico de palestra proferida em Madri, Espanha, na Universidade Carlos III, sob o patrocínio desta e da ANAMATRA – Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho, em 10.3.2003.



SUMÁRIO: 1. As primeiras Declarações de Direitos:
direitos de cunho individual. 2. A constitucionalização dos
direitos sociais. 3. Direitos de 1ª, 2ª e 3ª geração. 4. O
conteúdo dos direitos sociais e sua classificação na ordem
constitucional brasileira. 5. Direitos sociais e mandado de
injunção. 6. Conclusão.


2
1. As primeiras Declarações de Direitos: diretos de cunho
individual.
A preocupação com a integridade física do homem, com a dignidade da
pessoa humana, se deve “especialmente, ao cristianismo (dignidade do homem), ao jus naturalismo
(direitos inatos) e ao iluminismo (valorização do indivíduo perante o Estado).”(1) A história constitucional demonstra que a preocupação com a integridade física do homem, com os direitos hoje denominados de direitos humanos, direitos fundamentais, vem de longe, assenta-se em antecedentes históricos e doutrinários.

As primeiras Declarações de Direito são contemporâneas da idéia de Constituição. A primeira é a de Virgínia, anterior à Declaração de Independência dos Estados Unidos. Esta é de 12 de janeiro de 1776 e a Declaração de Independência é de 14 de julho do mesmo ano. A Declaração de Direitos mais famosa, entretanto, é a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, que veio no bojo da Revolução Francesa, de 1789. O constitucionalismo surgiu, aliás, associado à garantia dos direitos
fundamentais, registra Manoel Gonçalves Ferreira Filho(2) .A Declaração dos Direitos
do Homem e do Cidadão, de 1789, é enfática, a esse respeito, ao proclamar, no seu art.
16, que “toda sociedade na qual não está assegurada a garantia dos direitos nem determinada a separação dos poderes, não tem Constituição.”
Essas primeiras Declarações, e outras que lhes seguiram, nos Séculos
XVIII e XIX, preocupam-se, sobretudo, em proteger os homens contra o poder estatal.
Elas, lembra Manoel Gonçalves Ferreira Filho(3), têm por escopo “armar os indivíduos de
meios de resistência contra o Estado. Seja por meio delas estabelecendo zona interdita à sua ingerência
- liberdades-limites ç seja por meio delas armando o indivíduo contra o poder no próprio domínio
deste ç liberdades oposição.” As liberdades-limites, segundo G. Duverger(4), seriam, por
exemplo, a liberdade pessoal, a liberdade de comércio, de indústria, de religião, o direito
de propriedade; as liberdades-oposição, a liberdade de imprensa, de reunião, de
manifestação.
Esses direitos, denominados direitos individuais, postos nas Declarações
da segunda metade do Séc. XVIII e do Século XIX, são direitos de 1ª geração, que
foram positivados no “Bill of Rights” do povo norte-americano, consubstanciados nas
dez primeiras emendas à Constituição de 1787, aprovadas em 1791, às quais
acrescentaram-se, com o correr do tempo, outras mais. As Constituições seguintes
positivaram os direitos considerados fundamentais. A Constituição brasileira de 1824
foi a primeira. Seguiu-se a da Bélgica, de 1831. A Constituição republicana brasileira de
1891 consagrou os direitos individuais.
2. A constitucionalização dos direitos sociais.
No Século XX, a Constituição de Weimar, de 1919, realiza o
compromisso dos direitos individuais, das primeiras Declarações, com novos direitos,
que decorrem do constitucionalismo social que surge da idéia de que a felicidade dos
homens não se alcança apenas contra o Estado, mas, sobretudo, pelo Estado. Os novos
direitos fundamentais são os direitos econômicos e sociais, que a Constituição de
Weimar consagrou, realizando, repito, o compromisso do individual com o social. A
Constituição brasileira de 1934, na linha da Constituição de Weimar, introduz, no

constitucionalismo brasileiro, esses direitos, o que se tornou constante nas Constituição
seguintes, 1946, 1967, EC 1/69, 1988.


3. Direitos de 1ª, 2ª e 3ª geração.
Hoje, registrei em trabalho de doutrina(5), a teoria dos direitos
fundamentais distingue direitos de 1ª, 2ª e 3ª geração, lembra Celso Lafer(6), que
desenvolve assim o tema: os direitos de 1ª geração constituem herança liberal. São os
direitos civis e políticos: a) direitos de garantia, que são as liberdades públicas, de cunho
individualista: a liberdade de expressão e de pensamento, por exemplo; b) direitos
individuais exercidos coletivamente: liberdades de associação: formação de partidos,
sindicatos, direito de greve, por exemplo. Os direitos de 2ª geração são os direitos
sociais econômicos e culturais, constituindo herança socialista: direito ao bem estar
social, direito ao trabalho, à saúde, à educação são exemplos desses direitos. Os de 3ª
geração são direitos de titularidade coletiva: a) no plano internacional: direito ao
desenvolvimento e a uma nova ordem econômica mundial, direito ao patrimônio
comum da humanidade, direito à paz; b) no plano interno: interesses coletivos e difusos,
como, por exemplo, o direito ao meio-ambiente.
4. O conteúdo dos direitos sociais e sua classificação na ordem
constitucional brasileira
Os direitos sociais, direitos fundamentais de 2ª geração, constituem,
ensina José Afonso da Silva, “prestações positivas proporcionadas pelo Estado direta ou

indiretamente, enunciadas em normas constitucionais, que possibilitam melhores condições de vida aos
mais fracos, direitos que tendem a realizar a igualização de situações sociais desiguais. São, portanto,
direitos que se ligam ao direito de igualdade.”(7)
A Constituição de 1988 estabelece, no artigo 6º, que “são direitos sociais a
educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à
maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.”
A amplitude dos temas inscritos no art. 6º da Constituição deixa claro
que os direitos sociais não são somente os que estão enunciados nos artigos 7º, 8º, 9º,
10 e 11. Eles podem ser localizados, principalmente, no Título VIII - Da Ordem Social,
artigos 193 e seguintes.
José Afonso da Silva observa que os direitos sociais poderiam ser
classificados como direitos sociais do homem como produtor e como consumidor. Na
primeira classificação ç direitos sociais do homem produtor ç teríamos a liberdade
de instituição sindical, o direito de greve, o direito de o trabalhador determinar as
condições de seu trabalho, o direito de cooperar na gestão da empresa e o direito de
obter emprego (C.F., artigos 7º a 11). Na segunda classificação ç direitos sociais do
homem consumidor ç teríamos o direito à saúde, à segurança social, ao
desenvolvimento intelectual, o igual acesso das crianças e adultos à instrução, à
formação profissional e à cultura e garantia ao desenvolvimento da família, que
estariam no título da ordem social(8).

A classificação de que se vale, entretanto, o mestre das Arcadas,
presente o direito constitucional positivo brasileiro, é esta: “a) direitos sociais relativos ao
trabalhador; b) direitos sociais relativos à seguridade, compreendendo os direitos à saúde, à previdência
e assistência social; c) direitos sociais relativos à educação e à cultura; d) direito social relativo à
família, criança, adolescente e idoso; e) direitos sociais relativos ao meio ambiente.”(9)
Por ser didática, facilitando o entendimento, adotamos essa classificação.
Os direitos sociais relativos ao trabalhador são de duas espécies,
segundo José Afonso: a) os direitos dos trabalhadores em suas relações individuais de
trabalho: C.F., art. 7º; b) os direitos coletivos dos trabalhadores: C.F., arts. 9º a 11.
Os direitos sociais relativos à seguridade, compreendendo os direitos à
saúde, à previdência e assistência social, estão no título da Ordem Social, artigos 193 e
seguintes.
Os direitos sociais relativos à educação e à cultura embasam-se em
diversos dispositivos da Constituição, artigos 5º, IX, 23, III a V, 24, VII a IX, 30, IX,
205 a 217, formando, leciona José Afonso da Silva, “aquilo que se denomina ordem
constitucional da cultura, ou constituição cultural”, na expressão de Gomes Canotilho e Vital
Moreira(10), “constituída pelo conjunto de normas que contêm referências culturais e disposições
consubstanciadoras dos direitos sociais relativos à educação e à cultura”(11) .


Os direitos sociais relativos à família, criança, adolescente e idoso
poderão ser encontrados em capítulos da Ordem Social: art. 201, II, art. 203, I, II, arts.
226 e 227, art. 230.
Finalmente, nos direitos sociais relativos ao meio-ambiente, deve ser
incluído o direito ao lazer (C.F., art. 6º, art. 227) e ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida,
impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para
as presentes e futuras gerações (C.F., art. 225). O direito ao meio ambiente, lembra
José Afonso da Silva, integra a disciplina urbanística. Constitui, também, espécie de
interesse difuso, direito fundamental de 3ª geração.
5. Direitos sociais e mandado de injunção
Muitos desses direitos sociais, assegurados pela Constituição, dependem
de normatividade ulterior. É dizer, não são normas de eficácia plena. O mandado de
injunção, no caso concreto, pode realizar a integração do direito social cujo exercício é
inócuo, em razão da inexistência da norma regulamentadora, à ordem jurídica. Aliás,
para Galeno Lacerda é no campo dos direitos sociais que o mandado de injunção
poderia ser mais utilizado, por isso que é no campo dos direitos sociais que a
Constituição de 1988 criou “vários e importantes direitos, à espera de legislação ordinária ou
complementar”(12).

Nos MMII 95-RR e 124-SP, em que se pleiteava a viabilização do
direito ao aviso prévio proporcional concedido pelo art. 7º, XXI, da Constituição, o
Supremo Tribunal Federal deferiu, em parte, o pedido, para, declarada a mora,
notificar o legislador para que a supra.(13) Nos julgamentos dessas injunções, o que
ocorreu, também, no julgamento do MI 369-DF, elaborei a norma para o caso
concreto: o aviso prévio será de dez dias por ano de serviço ou fração superior a seis
meses, observado o mínimo de trinta dias.
Esclareça-se que até hoje o Congresso Nacional não elaborou a norma
regulamentadora do art. 7º, XXI, da Constituição, não obstante a decisão do Supremo
Tribunal Federal.
O mesmo ocorreu relativamente ao direito de greve dos servidores
públicos, C.F., art. 37, VII, ainda dependente de lei específica. Cuidei do tema em
trabalho de doutrina.(14) Anotei que, no MI 20-DF, Relator o Ministro Celso de Mello, o
Supremo Tribunal reconheceu a mora do Congresso Nacional em regulamentar o art.
37, VII, da C.F. e comunicou-lhe a decisão, “a fim de que tome as providências necessárias à
edição” da norma “indispensável ao exercício do direito de greve pelos servidores públicos civis”. O
julgamento foi realizado em maio de 1994. Até hoje o Congresso Nacional não editou a
norma regulamentadora.
Também nesse julgamento elaborei a norma para o caso concreto,
adotando a lei de greve dos trabalhadores em geral.

6. Conclusão.
A Constituição de 1988 confirma o compromisso dos direitos
individuais com os direitos sociais, dos direitos de 1ª geração com os direitos de 2ª
geração. Ela vai mais longe: cuida, também, dos direitos fundamentais de 3ª geração.
No que diz respeito aos direitos sociais, é ampla a proteção que a Constituição lhes
empresta, conforme vimos, realizando o que Gomes Canotilho e Vital Moreira
registram: “a individualização de uma categoria de direitos e garantias dos trabalhadores, ao lado
dos de caráter pessoal e político, reveste um particular significado constitucional, do ponto em que ela
traduz o abandono de uma concepção tradicional dos direitos, liberdades e garantias como direitos do
homem ou do cidadão genéricos e abstratos, fazendo intervir também o trabalhador (exatamente: o
trabalhador subordinado) como titular de direitos de igual dignidade” (15).
Principalmente por isso, a Constituição brasileira de 1988 é uma
Constituição democrática.




(1) Cesar Fiúza, “Direito Civil - Curso Completo”, Del Rey Ed., 5ª ed., 2002, p. 159.
(2) Manoel Gonçalves Ferreira Filho, “Curso de Direito Constitucional”, Saraiva, 17ª ed., p. 246.
3

(3) Manoel Gonçalves Ferreira Filho, ob. cit., p. 247
(4) Maurice Duverger, “Les Partis Politiques”, 3ª ed., Paris, 1958, pp. 201 e segs. Ap. Manoel Gonçalves Ferreira Filho,
ob. e loc. cits.
4
(5) Carlos Mário da S. Velloso, “Reforma Constitucional e a Reforma Tributária”, em “Direitos Administrativo e
Constitucional”, Estados em homenagem a Geraldo Ataliba, Malheiros Ed., 1997.
(6) Celso Lafer, “Direitos humanos e democracia: no plano interno e internacional”, em “Desafios: ética e política”, Ed.
Siciliano, 1995, pp. 201 e segs.
5
(7) José Afonso da Silva, “Direito Const. Positivo”, Malheiros Ed., 15ª ed., 1998, p. 289.
(8) José Afonso da Silva, ob. cit., p. 290.
6
(9) José Afonso da Silva ob. e loc. cits.
(10) J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, “Constituição da República portuguesa anotada”, 3ª ed., Coimbra Ed., 1994,
p. 361.
(11) José Afonso da Silva, ob. cit., p. 314.
7
(12) Galeno Lacerda, “ Requisitos do Mandado de Injunção”, Zero Hora, Porto Alegre, RS, 25.10.88.
8
(13) “DJ” de 18.06.93.
(14) “Greve no Serviço Público”, em “Curso de Direito Coletivo do Trabalho”, Estudos em Homenagem ao Ministro
Orlando Teixeira da Costa, LTr, 1998, pp. 555 e segs.
9
10
(15) J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Ob. cit., p. 285. Alexandre de Moraes, “Direito Constitucional”, Ed. Atlas,
5º ed., 1999.

DIREITO A NACIONALIDADE PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL

As informações abaixo foram extraídas do site:
jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4128

Sumário: 1. introdução; 2. conceito e considerações preliminares; 3. princípios gerais e normas costumeiras; 4. nacionalidade brasileira; 5. dupla nacionalidade; 6. nacionalidade contínua e nacionalidade efetiva; 7. considerações finais; 8. notas; 9. referências bibliográficas.

1. INTRODUÇÃO
A pertinência do presente estudo agiganta-se na medida em que o projeto de globalização mundial vem suscitando, pelo viés econômico que lhe é imanente, a construção do chamado "cidadão do mundo".
Nesse sentido, ainda que embrionária, ou quiçá utópica, a perspectiva desse arquétipo de cidadania universal, não se pode olvidar que hodiernamente há uma avalanche de pedidos de reconhecimento de dupla nacionalidade, oriundos, sobretudo, de países que sofreram elevado grau de imigração européia à época do período expansionista, que desencadeou um intenso processo de colonização no descortinar do século XVI.
Com efeito, o direito à nacionalidade é pressuposto imprescindível para que o cidadão exerça a cidadania, na plenitude de sua acepção. Não obstante, exsurge incontinenti a indagação: Mas afinal, para que serve a nacionalidade?
Para atingir o desiderato proposto para a análise do presente estudo, que não aspira perquiri-lo à exaustão, senão consignar anotações pontuais de maior relevo, proceder-se-á inicialmente a conceituação do vocábulo nacionalidade, e, após, algumas breves considerações acerca dos princípios gerais e normas costumeiras que o norteiam, as condições para aquisição da nacionalidade brasileira, a dupla nacionalidade e as situações de nacionalidade contínua e efetiva.

2. CONCEITO E CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES
Pode-se afirmar que a essência do termo nacionalidade constitui-se na existência de um vínculo político entre o Estado soberano e o indivíduo, que faz deste um membro da comunidade constitutiva da dimensão pessoal do Estado(1), ou, ainda, que está vinculada a um conjunto de tradições e costumes, em geral sintetizados numa só língua, formando uma comunidade cujos traços derivam de uma origem comum: a Nação(2). Nessa mesma esteira a doutrina esclarece que nacionalidade é a qualidade inerente a essas pessoas e que lhes dá uma situação capaz de as localizar e identificar, na coletividade(3).
Consentâneo esclarecer que o termo nacionalidade diz respeito a pessoas humanas, e não a pessoas jurídicas ou coisas, muito embora o senso comum utilize-se de expressões do tipo "empresa francesa" e "produto chinês", por exemplo. A referência a uma empresa ou produto estrangeiro considera o país-sede da daquela ou o país-fabricante deste, que em face do caráter transnacional impresso pela globalização da economia nada se relacionam com o que se entende por sociedade, cultura, língua, tampouco Estado. Isso porque a nacionalidade é um elemento intrínseco da personalidade humana, tal como o nome, a raça, o sexo e a cor.
De outra parte, importa registrar que o termo nacionalidade foi cunhado quando da formação do Estado, detentor exclusivo do poder soberano, cuja origem remonta a um pacto havido entre homens de um mesmo território, quando um deles disse:
autorizo y transfiero a este hombre o asamblea de hombres mi derecho de gobernarme a mí mismo, con la condición de que vosotros transferiréis a él vuestro derecho, y autorizáreis todos sus actos así de la misma manera. Hecho esto, la multitud así unida en una persona, se denomina Estado, en latín, civitas(4).
Para Rousseau, o atributo soberania tem suas raízes na vontade geral do povo, que se traduz no que há de comum em todas as vontades individuais, constituindo-se no substrato coletivo de consciências.
Digressão à parte, a magnitude atribuída ao direito à nacionalidade corporifica-se quando disciplinado pela Constituição Federal, especificamente em seu art. 12, mas com amparo no art. 1º, inciso II, da mesma Carta. Afinal, como já falamos alhures, o exercício da cidadania prende-se ao atributo da nacionalidade.

3. PRINCÍPIOS GERAIS E NORMAS COSTUMEIRAS
Cumpre, inicialmente, elucidar que os princípios guardam os valores fundamentais da ordem jurídica. Isto só é possível na medida em que estes não objetivam regular situações específicas, mas sim desejam lançar a sua força sobre todo o mundo jurídico(5). Nesse mesmo diapasão, e para distinguir princípio de norma, embora aquele tenha um traço de normatividade, esclarecedora a lição de Paulo BONAVIDES ao conceituar princípios como
“toda norma jurídica, enquanto considerada como determinante de uma ou de muitas outras subordinadas, que a pressupõem, desenvolvendo e especificando ulteriormente o preceito em direções mais particulares (menos gerais), das quais determinam, e portanto resumem, potencialmente, o conteúdo: sejam, pois, estas efetivamente postas, sejam, ao contrário, apenas dedutíveis do respectivo princípio geral que as contém(6).”
O campo de incidência dos princípios gerais orbita a multifacetada legislação dos países acerca da nacionalidade, destacando-se dentre os de maior envergadura o da necessidade de o Estado estabelecer distinção entre seus nacionais e estrangeiros(7), na medida em que não se pode conceber um Estado governado por estrangeiros, ainda que o ideário neoliberal e seu braço operacional – a globalização –, tenham mitigado esse princípio. Outro princípio correlato aparece no texto do art. 15 da Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948, que estatui o seguinte: "I –Todo ser humano tem direito a uma nacionalidade; II –Ninguém será arbitrariamente privado de sua nacionalidade, nem do direito de mudar de nacionalidade".
Ainda nesse passo, vale lembrar o princípio segundo o qual "um Estado não pode exercer proteção diplomática em favor de algum dos seus nacionais, contra outro Estado do qual o mesmo indivíduo seja também nacional" (art. 4º da Convenção sobre Nacionalidade, de 12 de abril de 1930). Também o princípio em que as disposições relativas à atribuição da nacionalidade em razão do nascimento em seu território não se deve aplicar às crianças cujos pais gozam de imunidades diplomáticas no país de nascimento(8). Por fim, com fundamento na aquisição de nacionalidade originária e derivada, o princípio da efetividade aduz que o vínculo patrial não deve fundar-se na pura formalidade ou no artifício, mas na existência de laços sociais consistentes entre o indivíduo e o Estado(9).
No tocante às normas costumeiras, a mais contundente é a que veda a possibilidade de o Estado banir/expulsar um cidadão nacional.
A doutrina não é uníssona quanto à distinção entre princípios gerais e normas costumeiras, na medida em que há autores que mesclam esses signos jurídicos, ora reportando-se a princípios quando em verdade falam de normas costumeiras, e vice-versa, o que se mostra despiciendo à luz dos objetivos almejados com o presente estudo.

4. NACIONALIDADE BRASILEIRA
O direito à nacionalidade, no Brasil, é disciplinado preponderantemente pela Constituição Federal, ao contrário da França que conta com um extenso Código de Nacionalidade.
No particular, o art. 12 da Carta Política de 1988 define a distinção entre brasileiros nato e naturalizado, estabelecendo, ainda, condições para aquisição e limites para o gozo da nacionalidade brasileira, bem assim os casos da sua perda.
Dois são os sistemas adotados para a determinação da nacionalidade, a saber: jus soli e jus sanguinis. Enquanto no primeiro a nacionalidade decorre da filiação, no segundo a nacionalidade é fixada em razão do lugar do nascimento. Fala-se, ainda, num terceiro sistema, o misto, que resulta da mescla dos sistemas anteriores.
A faculdade de um Estado adotar este ou aquele sistema de aquisição de nacionalidade encontra-se conexo à característica de o país ser mais receptível a imigração ou emigração de pessoas. Nesse sentido,
“os que exportam os seus nacionais inclinar-se-ão por adotar a teoria do jus sanguinis visto que ela lhes permite manter ascendência jurídica mesmo sobre os filhos de seus emigrados. Ao reverso, os Estados de imigração tenderão ao jus soli procurando integrar o mais rapidamente possível aqueles contingentes migratórios, através da nacionalização dos seus descendentes(10).
Essa a razão pela qual os países da América Latina preferem, em geral, o sistema jus soli, mas também com exceções(11), uma vez que observam os princípios gerais e as normas costumeiras norteadoras da aquisição de nacionalidade.
Uma exceção que se pode apontar, partindo-se de uma leitura invertida do inciso I do art. 12 da Constituição da República, é a de não se considerar brasileiro aquele que nascido em território nacional seja filho de pais estrangeiros que se encontram no Brasil a serviço de seu país. Nessa ótica, a doutrina, por ilação do que foi dito, esclarece que os pais, estrangeiros, devem estar a serviço do país cuja nacionalidade possuem para que inocorra a atribuição da nacionalidade brasileira. Seria brasileiro, dessa forma, o filho do súdito egípcio que cuidasse no Brasil da representação de Catar ou Omã(12).
O art. 12 da Carta Constitucional elucida os pressupostos que ensejam o atributo de brasileiros natos (inciso I) e naturalizados (inciso II). No concernente aos primeiros, o sistema jus sanguinis adotado pela alínea ‘b’ não faz qualquer distinção quanto ao fato de os pais serem brasileiros natos ou naturalizados, reclamando apenas que sejam nacionais à época do nascimento do filho no território estrangeiro, e que estejam a serviço da República Federativa do Brasil.
Quanto aos brasileiros naturalizados, constituindo-se o processo de naturalização uma das formas de aquisição da nacionalidade, mister frisar que se trata de uma faculdade do interessado, um direito subjetivo do cidadão, sendo defeso ao Estado compeli-lo à naturalização. Vem corroborar essa assertiva a parte final da alínea ‘b’ do inciso II do art. 12 da Carta Constitucional, ao trazer a expressão "desde que requeiram a nacionalidade brasileira" (grifo nosso).
De qualquer sorte, vedada a distinção entre brasileiros natos e naturalizados, à exceção dos cargos previstos no § 3º do supramencionado art. 12 da Constituição Federal, aos estrangeiros residentes no País é assegurado "a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança, à propriedade..." (art. 5º, caput, CF). O que não significa dizer, em absoluto, que turistas estrangeiros em território nacional careçam de garantias inerentes a toda pessoa humana, independentemente de sua nacionalidade.
A nacionalização, em última análise, tem como efeito precípuo dar ao naturalizado a qualidade de cidadão do Estado que o naturalizou e equipará-lo, assim, aos nacionais desse Estado. O naturalizado adquire, pois, em princípio, os mesmos direitos e obrigações dos nacionais do país(13). Diz-se "em princípio" porque a qualidade de cidadania, na acepção técnico-jurídica, é limitada ao gozo de direitos políticos, notadamente quanto à possibilidade de os brasileiros naturalizados exercerem determinados cargos (§§ 2º e 3º do art. 12, CF).
Embora concordemos com as limitações acima aduzidas, nossa opinião é no sentido de que restringir o signo cidadania à capacidade de gozo de direitos políticos reduz sobremaneira a essência e a magnitude que a universalidade do signo irradia, cujo valor encontra-se incorporado pelos direitos humanos, e absorvido pela Constituição Federal, no art. 1º, incisos II e III, ao elevar
“à categoria de fundamentos do Estado o direito à cidadania e à dignidade da pessoa humana. Do contrário, a tentação da onipotência do homem sobre a natureza das coisas implicará uma ditadura dos mais fortes, com desprezo por todos esses princípios morais e jurídicos, que visam a corrigir os desmandos da primazia da força e da riqueza sobre os direitos de todos(14).”
A perda da nacionalidade, que alcança somente os brasileiros naturalizados, será declarada nos estritos termos dos incisos I e II do art. 14 da Constituição Federal, sendo a naturalização o meio mais comum de perda da nacionalidade, pois nela o indivíduo demonstra claramente o seu desejo de mudar de nacionalidade(15).

5. DUPLA NACIONALIDADE
A questão em epígrafe tem ganhado maior relevo na medida em que o mundo caminha, ou parece caminhar, rumo à formação de uma aldeia global. Sob esse prisma, a dupla ou múltipla nacionalidade, requerida por pessoas com ascendência estrangeira, vem se revelando um importante meio de inserção no mercado de trabalho alienígena, afora o gozo de direitos civis imanentes aos nacionais daquele país.
Concernentemente às obrigações relativas à pessoa com dupla nacionalidade, em destaque às de obrigação militar, um protocolo datado de 12 de abril de 1930, concluído em Haia, firmou entendimento no sentido de que o indivíduo que tenha a nacionalidade em dois ou mais países e resida habitualmente no território de um deles e que, de fato, se ache mais ligado a esse país será isento de todas as obrigações nos demais(16).
Sobre a temática em questão, pertinente os ensinamentos de José Francisco REZEK ao esclarecer que nas hipóteses de dupla ou múltipla nacionalidade, qualquer dos Estados patriais pode proteger o indivíduo contra terceiro Estado. O endosso é, contudo, impossível de dar-se numa reclamação contra um dos Estados patriais: isto resulta, de resto, do princípio da igualdade soberana(17).
Diante de tal assertiva, qual seria a situação daquele sujeito com dupla nacionalidade que comete crime num país e procura abrigo noutro? Com efeito, trata-se de caso de extradição, instituto que exige a participação dos Poderes Executivo e Judiciário, e que se constitui na entrega, por um Estado a outro, e a pedido deste, de indivíduo que em seu território deva responder a processo penal ou cumprir pena. A existência de um processo penal, concluso ou em andamento, é conditio sine qua non do pedido de extradição, que deverá ser fundado num tratado bilateral(18).

6. NACIONALIDADE CONTÍNUA E NACIONALIDADE EFETIVA
A nacionalidade contínua alicerça-se numa antiga regra costumeira de direito internacional público: para que o endosso seja válido, é preciso que o vínculo patrial entre o Estado reclamante e o particular protegido tenha sido contínuo, o que significa dizer que é preciso que o particular tenha sido um nacional do Estado reclamante no momento em que sofreu dano decorrente de ato ilícito de potência estrangeira, e que, sem qualquer quebra de continuidade, permaneça na condição de nacional desse mesmo Estado quando da reclamação(19).
A nacionalidade efetiva vincula-se à aquisição originária do status de nacional conferido ao indivíduo, quer seja pelo sistema jus soli, jus sanguinis, ou, ainda, da combinação de ambos. Desse modo, a naturalização, como forma de aquisição derivada da nacionalidade, não prescinde do preenchimento de determinadas condições impostas àquele que a pleiteia. Nesses termos, o Estado, nos estritos limites de sua soberania, pode outorgar a um indivíduo o status de nacional mesmo que não preenchido os requisitos constitucionais exigidos, o que não pressupõe esperar que no plano internacional esse vínculo inconsistente seja reconhecido: tal foi a lição da Corte de Haia no julgamento do caso Nottebohm(20).

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS
À guisa de considerações finais, faz-se necessária uma conceituação crítica, menos dogmática, do termo nacionalidade, cuja origem remonta indubitavelmente aos primeiros movimentos nacionalistas que se cristalizaram na Revolução Francesa de 1789, momento histórico em que homogeneizando um espaço – o território nacional único e indivisível – e transportando a nacionalidade da esfera da natureza para a esfera do político, marcou a ascensão da burguesia que conseguiu controlar e delimitar um território e uma população próprios, o que permite dizer que a nacionalidade é um campo da luta entre os homens, que vivem em sociedades marcadas pelas classes sociais, e que a constroem pactuando e negociando a partir de situações de desigualdade(21).
Diante de todo o exposto, e apenas com o intuito de trazer à reflexão o porquê da nacionalidade, poderia dizer-se, de modo menos comprometedor e sobre o trilho dos ideais revolucionários de 1789 – liberdade, igualdade e fraternidade –, o escopo indeclinável de evitar tanto quanto possível a figura do sujeito apátrida, que por não pertencer a nenhum território estaria à margem de usufruir a plenitude dos direitos civis concedidos aos efetivamente nacionais.
Mas essa percepção de nacionalidade mostra-se perfunctória ante o processo histórico de dominação de um Estado sobre outro, na exata medida em que o substrato do sistema capitalista é fundamentado na propriedade privada, que para o estudo em exame denota a necessidade de um território, com um povo politicamente organizado, cujos cidadãos recebem o rótulo da nacionalidade.
Mas isso se apresenta como mais um paradoxo do sistema capitalista, porquanto de um lado alardeia a quebra de barreiras de toda natureza, sob o manto expansionista da "mão invisível do mercado", e, de outro, cria embaraços ao livre tráfego de pessoas (passaporte), estabelecendo condições para a aquisição da nacionalidade como pressuposto ao exercício da cidadania.
Tal paradoxo assemelha-se às constantes crises do sistema capitalista, que ocorrem justamente não em razão da escassez de mercadorias como na Antigüidade ou na Idade Média, mas da superprodução, do excesso de produtos e serviços. E é nessa perspectiva que
“o internacionalismo capitalista, por sua vez, nas suas diferentes versões, precisa cada vez mais de um campo ordenado que viabilize a livre circulação do capital, reproduzindo relações de dominação internacionais e universalizando não somente capitais mas, também, culturas e nacionalidades.
Trata-se de um processo idêntico – embora numa dimensão universal – àquele da constituição das modernas nacionalidades. Isto é, desfazer as fronteiras do diverso e acentuar os limites da desigualdade(22).”
Com efeito, o propalado "cidadão do mundo" – supranacional –, inserto na "aldeia global", que sobrepuja a globalização meramente econômica e avança rumo a uma perspectiva de globalização da cidadania, com repúdio à intolerância social, cultural, ideológica, a que se fez alusão na introdução desse estudo, foi muito bem esculpido na letra da música imagine, de John Lennon, cujos excertos abaixo transcritos retratam a esperança de um mundo sem países, em que os homens terão uma só nacionalidade, sob a bandeira da solidariedade, compartilhando o mundo e vivendo em paz.
(…)
Imagine there´s no countries
It isn´t hard to do
Nothing to kill or die for
And no religion too
Imagine all the people
Living life in piece
(…)
Imagine all the people
Sharing all the world

8. NOTAS
REZEK, José Francisco. Direito internacional público: curso elementar. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 181.
SEITENFUS, Ricardo e VENTURA, Deisy. Introdução ao direito internacional público. Porto Alegre: Livraria do advogado, 1999. p. 114.
(3) ACCIOLY, Hidelbrando. Manual de direito internacional público. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 321.
(4) HOBBES, Thomas. El Estado. México: Fondo de cultura económica, 1997. p.11.
(5) HOBBES, Thomas. op. cit. p.11.
(6) Curso de direito constitucional. 11. ed. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 230.
(7) REZEK, José Francisco. op. cit. p. 181.
(8) ACCIOLY, Hidelbrando. op. cit. p. 323.
(9) REZEK, José Francisco. op. cit. p. 183.
(10) BASTOS, Celso Ribeiro. op. cit. p. 232.
(11) ACCIOLY, Hidelbrando. op. cit. p. 322.
(12) REZEK, José Francisco. op. cit. p. 189.
(13) ACCIOLY, Hidelbrando. op. cit. p. 325.
(14) RAMOS, Augusto Cesar. Direito e sociedade: ensaios para uma reflexão crítica. Tubarão: Unisul, 2001. p. 124.
(15) ACCIOLY, Hidelbrando. op. cit. p. 327.
(16) ACCIOLY, Hidelbrando. op. cit. p. 325.
(17) op. cit. p. 181.
(18) SEITENFUS, Ricardo e VENTURA, Deisy. op. cit. p. 125.
(19) REZEK, José Francisco. op. cit. p. 281-282.
(20) Ibidem. p. 283.
(21) RUBEN, Guillermo Raúl. O que é nacionalidade. 2. ed. São Paulo: Brasiliense, 1987, p. 27 e 60.
(22) RUBEN, Guillermo Raúl. op. cit. p. 83.

9. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ACCIOLY, Hidelbrando. Manual de direito internacional público. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 1996. 537 p.
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 1990. 372 p.
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 11. ed. São Paulo: Malheiros, 2001. 797 p.
HOBBES, Thomas. El Estado. México: Fondo de cultura económica, 1997. 77 p.
RAMOS, Augusto Cesar. Direito e sociedade: ensaios para uma reflexão crítica. Tubarão: Unisul, 2001. 134 p.
REZEK, José Francisco. Direito internacional público: curso elementar. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 1996. 413 p.
RUBEN, Guillermo Raúl. O que é nacionalidade. 2. ed. São Paulo: Brasiliense, 1987. 86 p.
SEITENFUS, Ricardo e VENTURA, Deisy. Introdução ao direito internacional público. Porto Alegre: Livraria do advogado, 1999. 224 p.